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Minimização do risco de transmissão da BSE por medicamentos de origem animal e humana

 

Quando, em 1986, foi pela primeira vez oficialmente reconhecida uma nova encefalopatia espongiforme transmissível que afectava o gado bovino no RU, a BSE, as autoridades sanitárias responsáveis pela regulamentação dos medicamentos e outros produtos farmacêuticos tomaram a devida nota da ocorrência.

 

O crescimento do número de casos, que haveria de transformar-se em epidemia, começou a preocupar as autoridades, dado existirem inúmeros medicamentos preparados de matérias primas de origem bovina. Apesar de ser oficial e sistematicamente garantida no RU a ausência de qualquer risco para a população humana, o Comité Europeu das Especialidades Farmacêuticas (CPMP – Committee for Proprietary Medicinal Products) assumiu as suas responsabilidades e adoptou, em 1991, uma directriz destinada a recomendar as medidas a adoptar pelos produtores de medicamentos para minimização do risco de transmissão do agente causador da BSE pelo uso terapêutico de medicamentos. Assumida uma atitude do pior cenário possível foi desde logo admitida a possibilidade de transmissão ao Homem do agente infeccioso causador da BSE.

 

As medidas então recomendadas foram sendo paulatinamente aplicadas à produção de medicamentos por pressão dos Estados Membros da União Europeia. Destacaram-se pelo rigor da aplicação das medidas recomendadas pelo CPMP o RU, onde o problema tinha maior acuidade, e Portugal, provavelmente por já não ter uma Indústria Farmacêutica Nacional a ser perturbada, como sucedia em muitos dos outros países europeus.

 

Quando, em princípios de 1996, as autoridades sanitárias do RU anunciaram publicamente a vCJD, a directriz BSE, como era conhecida, estava então em consideração numa perspectiva de adaptação das recomendações ao evoluir dos conhecimentos científicos observados. Face ao impacte que aquele anúncio público teve e tendo sido consideradas globalmente válidas as recomendações em aplicação, o processo de revisão da directriz arrastou-se até fins de 1997. Foi preciso aguardar cerca de dois anos pela estabilização das decisões comunitárias e dos Estados Membros sobre a matéria, antes da finalização do processo de revisão. Considerada suficientemente garantida a segurança da Saúde Pública pela aplicação das recomendações constantes da directriz anterior, não se pretendia introduzir novas recomendações que contribuíssem para aumentar, desnecessariamente, o alarmismo então instalado na população europeia.

 

Entretanto, na sequência do reconhecimento público da possibilidade de transmissão do agente da BSE ao Homem, todos os países da União Europeia passaram em revista os medicamentos disponíveis nos respectivos mercados, com vista a uma mais rigorosa aplicação das recomendações.

 

Em Portugal, para além da proibição prática do uso de quaisquer produtos de origem bovina provenientes do RU, este processo, anteriormente encetado, culminou com a retirada do mercado nacional de todos os medicamentos que incorporavam substâncias activas preparadas de órgãos ou tecidos classificados nos grupos I e II e dos injectáveis do grupo III (ver adiante texto sobre a directriz). Simultaneamente, todas as empresas responsáveis pela comercialização de medicamentos no país foram convidadas a responder a um inquérito específico em que eram considerados vários aspectos de aplicação da directriz. As empresas farmacêuticas declararam a origem geográfica dos materiais de origem animal utilizados no fabrico dos seus medicamentos e os órgãos e tecidos de que eram obtidas as matérias primas das substâncias activas, excipientes e reagentes empregues durante a manufactura dos medicamentos em uso no país.

 

É neste contexto que, actualmente, já não existem em uso clínico no país quaisquer medicamentos preparados de órgãos ou tecidos de maior risco provenientes de animais susceptíveis à infecção pela BSE. Além disso, os produtores de medicamentos autorizados no país com componentes obtidos de animais susceptíveis, adquirem as suas matérias primas em regiões do globo em que o risco de BSE é baixo, em que ainda não foram detectados casos em animais autóctones e em que a vigilância veterinária da doença é considerada adequada, de acordo com as regras internacionais consensualizadas em sede própria.

 

DIRECTRIZ BSE

A adopção das primeiras recomendações, em forma de directriz, publicadas na União Europeia, para minimização do risco de transmissão do agente causador da BSE pelos medicamentos, ocorreu em 1991. Estas recomendações assentavam em três vectores principais: a origem geográfica dos animais, o tipo de tecido utilizado e o processo de fabrico do medicamento.

 

Relativamente à origem geográfica era recomendada a não utilização de animais provenientes de zonas e países de maior risco relativo, avaliado pela incidência da doença em animais autóctones. Ao tempo em que a directriz começou a ser aplicada, a não utilização de matérias primas de origem bovina provenientes do RU constituía a interpretação generalizada das autoridades regulamentares da área dos medicamentos de todos os Estados Membros da União Europeia.

 

A classificação dos tecidos e órgãos animais, quanto ao risco relativo assumido para a sua capacidade de transmitir o agente infeccioso, foi elaborada repartindo aqueles órgãos e tecidos por quatro categorias. Dada a inexistência de dados científicos suficientes, ao tempo em que a directriz foi preparada, relativamente à capacidade infecciosa dos tecidos bovinos, foi adoptada uma tabela de classificação dos tecidos baseada nos níveis de infecciosidade detectados em ovinos infectados pelo agente Scrapie. Relembra-se que o Scrapie era considerado o equivalente ovino da BSE.

 

O processo de fabrico do medicamento constituía o terceiro vector fundamental da directriz. Um pouco por analogia com as recomendações adoptadas para garantia de inactivação de agentes virais, como os usados em vacinas, por exemplo, era considerada na directriz a possibilidade de validação do processo de inactivação do agente causador da BSE como medida susceptível de contribuir para a redução do risco de transmissão da infecciosidade dos medicamentos preparados por esses processos.

 

Adicionalmente, recomendava-se também aos produtores e autoridades sanitárias que nos seus exercícios de avaliação considerassem a via de administração, a dose e a frequência da utilização do medicamento, entre outros.

 

Ao contrário do que agora se constata ter motivado na altura os serviços veterinários do RU, as autoridades responsáveis pela regulamentação dos produtos farmacêuticos assumiram a opção do pior cenário possível, parecendo não terem tido em conta os interesses dos agentes económicos envolvidos.

 

Na prática, a aplicação da directriz resultou muito rapidamente na não utilização de matérias primas bovinas provenientes do RU para a produção de medicamentos.

 

Não terá sido muito difícil, ao que se julga, que as empresas produtoras de medicamentos passassem a utilizar as mesmas matérias primas de origem bovina adquiridas em países e regiões alternativas. Nada no processo de fabrico se alterava.

 

Também em Portugal, onde a directriz foi aplicada com grande rigor, como se referiu, passou a ser impensável autorizar o uso de quaisquer produtos de origem bovina provenientes do RU. Agrupados os medicamentos autorizados no país, de acordo com as categorias de risco dos órgãos e tecidos utilizados no seu fabrico, foi determinada a reavaliação da segurança da sua utilização. Os produtores foram convidados a remover as matérias primas de origem bovina, substituindo-as por outras equivalentes, ou a justificar a sua inclusão à luz da directriz europeia. Para os medicamentos preparados de materiais classificáveis nas categorias I e II, as opiniões então produzidas pelos técnicos portugueses, chamados a reavaliar os medicamentos que não alteraram a origem biológica das suas matérias primas, começaram por considerar a utilidade e a necessidade clínica desses medicamentos. A não comprovação suficiente da sua eficácia clínica (relembremos que na maior parte dos casos tratava-se de medicamentos há muito existentes no mercado que haviam sido autorizados à luz de diferentes critérios de avaliação) ou a existência de alternativas terapêuticas de menor risco relativo foi fatal para a maior parte desses produtos.

 

Situações houve em que a utilização de matérias primas bovinas provenientes de países consensualmente considerados como isentos de BSE, como a Austrália ou a Nova Zelândia, associada a processos de fabrico bastante drásticos foram insuficientes para convencer os avaliadores portugueses da segurança desses medicamentos.

 

Vale aqui lembrar que, qualquer que seja o medicamento, este só o é porque produz efeitos no organismo a que é administrado. Estes efeitos são sempre, necessariamente, acompanhados de outros directamente induzidos pelo medicamento ou como resposta do organismo e que não são pretendidos para a indicação terapêutica. Não há medicamentos inócuos, todos têm efeitos colaterais indesejáveis.

 

Neste contexto, a autorização para comercialização de qualquer medicamento assenta em avaliação técnica do seu perfil de qualidade, segurança e eficácia. São susceptíveis de ser autorizados os medicamentos em que a relação entre o benefício clínico esperado e o risco associado à sua utilização seja considerada positiva. No caso presente, a ausência de comprovação suficiente de eficácia clínica ou a existência de outras alternativas terapêuticas, quando conjugadas com o risco de transmissão do agente da BSE, mesmo que muito pequeno ou só teórico, resultaram em relações desfavoráveis.

 

Dada a grande ausência de dados científicos, ao tempo em que a directriz foi elaborada, as suas recomendações eram bastante ambíguas e simultaneamente muito abrangentes. Foi à luz da aplicação da mesma directriz que foram retirados do mercado português todos os medicamentos preparados de substâncias classificadas nos grupos I e II e que na Alemanha foi adoptado um esquema de pontuação que permitia mesmo o uso de produtos derivados de cérebro bovino, se as pontuações dos restantes aspectos o compensassem.

 

DIRECTRIZ EET

Desde a adopção da directriz BSE em 1991, até à sua revisão em 1997, os conhecimentos científicos disponíveis foram significativamente acrescentados. Porque na elaboração da directriz inicial foi adoptado o princípio do pior cenário possível, o avolumar das preocupações de segurança relativamente à possibilidade de transmissão do agente causador da BSE ao Homem não ultrapassou os pressupostos iniciais. Na sua essência, as recomendações da nova directriz não revêem de forma muito significativa as recomendações anteriormente adoptadas.

 

A diferença mais relevante será, porventura, a relativa desvalorização da validação do processo de fabrico como factor de segurança fundamental. Outras das diferenças que se observam centram-se na maior ênfase de aplicação da directriz não só às substâncias activas mas também aos excipientes e reagentes que possam contactar com os componentes do produto final e no alargamento a outros ruminantes susceptíveis ao agente causador da BSE, para além dos bovinos.

 

O alargamento das recomendações da nova directriz a outros animais alvo reflecte-se desde logo no seu título e justifica a designação corrente como é conhecida: directriz EET. Este alargamento de âmbito resulta directamente do facto de ter sido demonstrada a transmissibilidade do agente da BSE a outros ruminantes e de não parecer fácil identificar e distinguir no terreno os animais eventualmente portadores de BSE dos afectados por outras encefalopatias espongiformes transmissíveis, como o agente causador do Scrapie dos ovinos, que se avalia como não infeccioso no Homem.

 

Relativamente aos excipientes e outros reagentes usados nos processos de fabrico de medicamentos, a directriz anterior já se lhes referia, mas de forma menos explicitada que agora.

 

Os critérios para a selecção dos animais continuam a ser basicamente os mesmos.

 

Quando não é possível deixar de utilizar material biológico, preparado de ruminantes susceptíveis aos agentes causadores das EET, continua a ser recomendado o uso de animais provenientes de países e zonas geográficas em que aquelas doenças não tenham sido detectadas nos efectivos autóctones. Os critérios para a caracterização destas regiões puderam ser explicitados de forma mais clara, em resultado dos consensos internacionalmente aceites pelas autoridades veterinárias. Adicionalmente é recomendado aos produtores de medicamentos, os verdadeiros responsáveis pela segurança dos produtos que fabricam e comercializam, que obtenham certificação adequada da origem dos animais e auditem os seus fornecedores.

 

Quanto à classificação dos órgãos, tecidos e fluidos biológicos, também aqui continuam a aplicar-se os mesmos princípios e a estrutura adoptada na directriz BSE.

 

Estes são repartidos por quatro categorias, conforme o nível de infecciosidade, determinado pela injecção intracraneana desses materiais em murganhos (ver Quadro VI). Os materiais não incluídos deverão ser classificados por analogia, baseada na sua composição.

 

Os dados científicos que foram sendo acumulados permitiam já, ao tempo em que a directriz foi revista, conhecer várias diferenças nos níveis relativos de infecciosidade dos tecidos bovinos com BSE e ovinos comScrapie. Porque em todas as situações caracterizadas os níveis de infecciosidade do agente causador da BSE nos bovinos era inferior aos níveis de infecciosidade do Scrapie nos ovinos, a manutenção da mesma tabela de classificação garante melhor a segurança dos utilizadores de medicamentos do que garantiria uma eventual nova classificação baseada nos dados científicos disponíveis para os tecidos bovinos. O único tecido acrescentado foram os nervos periféricos, na categoria III, que inclui as categorias IIIa e IIIb do Quadro VI.

 

A capacidade do processo de fabrico para remover ou inactivar os agentes EET foi relativamente desvalorizada. Das várias experiências conhecidas poucas foram as que, consistentemente, puderam demonstrar uma significativa redução da infecciosidade.

 

Os vectores mais importantes da directriz EET são, por isso, a origem geográfica dos animais e o tipo de tecido utilizado no fabrico dos produtos a incorporar nos medicamentos.

 

Tendo em conta a aplicação das recomendações constantes da directriz, a aceitabilidade de qualquer medicamento que utiliza no seu fabrico produtos derivados de ruminantes susceptíveis a EET deverá ser considerada caso a caso, devendo a avaliação final da relação benefício/risco ter em conta:

  • A origem geográfica dos animais, devidamente registada e certificada;

  • O tipo de tecido;

  • O processo de fabrico;

  • A quantidade de tecido animal utilizado;

  • A dose terapêutica máxima (dose diária e duração do tratamento);

  • A indicação terapêutica do medicamento.

 

A verificação da adequabilidade dos produtos de origem animal a usar no fabrico de medicamentos pode também ser efectuada pelos serviços de certificação da Farmacopeia Europeia, de acordo com monografia específica criada para o efeito.

 

A GELATINA E OS DERIVADOS DE SEBO

Tanto a gelatina como o sebo são subprodutos aproveitados dos despojos dos animais abatidos, depois de retirados os tecidos usados na alimentação humana.

 

Estas gelatinas são preparadas a partir do colagénio, extraído dos ossos animais. O sebo provém das gorduras que não têm utilização na cadeia alimentar humana.

 

O seu uso na indústria farmacêutica é muito alargado, calculando-se que mais de 80% de todos os medicamentos incorporam ou usam no seu fabrico gelatina ou produtos derivados do sebo. Relembremos apenas que todos os invólucros das cápsulas são feitos de gelatina bovina e que produtos como o glicerol ou os ácidos gordos são, usualmente, preparados a partir do sebo bovino.

 

Porque as gelatinas e os derivados de sebo utilizados na indústria farmacêutica eram quase exclusivamente de origem bovina, estes dois produtos foram alvo de atenção especial das autoridades sanitárias responsáveis pela gestão do sector dos medicamentos e dos produtores de medicamentos.

 

A preocupação inicial com os derivados do sebo foi muito rapidamente aliviada com a validação do processo de extracção e preparação daqueles derivados utilizados na indústria farmacêutica. De facto, estes foram, talvez, os únicos processos de fabrico alvo de validação da inactivação deste tipo de agentes infecciosos que demonstraram uma significativa, consistente e eficaz capacidade de eliminação da infecciosidade, eventualmente presente, na matéria prima inicial. Nas experiências efectuadas, os materiais a submeter a extracção ou purificação eram adicionados de quantidades significativas de agentes infecciosos, sendo depois determinada a presença de infecciosidade nos produtos obtidos. Após o primeiro passo para liquefacção das gorduras, indispensável para a sua separação dos restantes desperdícios, deixava de ser possível detectar qualquer infecciosidade na fracção lipídica.

 

Adicionalmente, os passos subsequentes de destilação e filtrações múltiplas demonstraram também significativa capacidade para eliminar ou inactivar os agentes infecciosos deliberadamente adicionados, antes da aplicação das técnicas em estudo.

 

Os resultados obtidos nestas experiências de validação dos processos de remoção da infecciosidade são considerados suficientes, para garantir que qualquer potencial infeccioso, arrastado com os desperdícios animais, não passará ao sebo. Mas, se mesmo assim ainda puder ser assumido um potencial risco, os processos de destilação subsequentes garantem de forma suficiente a segurança dos produtos derivados de sebo bovino. Em conjunção com estas garantias, os produtos derivados de sebo utilizados no fabrico de medicamentos são preparados a partir de matéria prima de animais, provenientes de países em que não existe elevada incidência da BSE.

 

No que se refere à gelatina, a situação é bastante diferente. Começa por que, tratando-se de uma proteína, os processos utilizados na sua extracção não podem ser tão drásticos quanto os aplicados na preparação dos derivados de sebo. Adicionalmente, os ossos indispensáveis ao fabrico da gelatina bovina envolvem naturalmente a medula óssea e são atravessados por nervos periféricos, dois tecidos classificados na categoria III. Também, ao tempo em que esta questão começou a ser alvo das preocupações das autoridades regulamentares da área dos medicamentos, não havia a eliminação dos crânios e estes arrastavam, inevitavelmente, tecidos do sistema nervoso central, classificados na categoria I.

 

A validação dos processos de inactivação dos agentes causadores de EET, aplicados para o fabrico da gelatina, não conduziram aos resultados que todos, produtores e autoridades, desejariam. De facto, nas experiências desenhadas para o efeito, com adição deliberada do agente infeccioso, alguma da infecciosidade inicial era recuperada no produto subsequentemente obtido. Observa-se alguma redução da infecciosidade inicial, que foi considerada insuficiente à luz dos critérios com que é avaliada a segurança dos medicamentos. Apesar de tudo, um dos três métodos mais frequentemente utilizados na preparação da gelatina bovina, o chamado processo alcalino, apresenta-se como mais eficaz na redução da infecciosidade inicial.

 

É neste contexto que o CPMP recomenda, explicitamente, que não sejam usados ossos do crânio, nem vértebras no fabrico das gelatinas e que seja adoptado o processo alcalino na manufactura da gelatina, destinada à indústria farmacêutica.

 

Esta recomendação, reconhecidamente de difícil aplicação prática no contexto do funcionamento do sistema, é também de difícil aplicação regulamentar, dado que os fabricantes de gelatina não são regulados pela autoridade das áreas dos medicamentos.

 

A não utilização de ossos do crânio é agora uma imposição legal indirecta, devido ao facto dos mesmos serem retirados do circuito, no acto do abate, por terem sido considerados MRE. Os principais produtores europeus de gelatina, que também colaboraram com as autoridades sanitárias no estudo deste problema e estão suficientemente motivados para a questão, anunciaram o propósito de adoptar as recomendações das autoridades de saúde. Também, como no caso dos derivados de sebo e demais produtos de origem bovina, as gelatinas usadas na indústria farmacêutica são provenientes de ossos de animais recolhidos em países e zonas consideradas livres de BSE.

 

MEDICAMENTOS DE ORIGEM HUMANA

Também o Homem é animal susceptível aos agentes causadores de EET e também do homem se preparam medicamentos para uso humano. A transmissibilidade de agentes priónicos do homem ao homem, como já se referiu, está suficientemente documentada em vários casos de infecção pela CJD iatrogénica (resultante de tratamento médico).

 

Devido a estes casos, mas principalmente devido a outros casos de transmissão de agentes virais, são cada vez mais raros os medicamentos de uso humano preparados a partir de tecidos humanos. Situações como as da hormona de crescimento não se repetirão, pois já estão disponíveis terapêuticas alternativas com medicamento equivalente preparado por tecnologia de DNA recombinante, em cultura de células in vitro. As novas biotecnologias vieram permitir a substituição de quase todos os medicamentos preparados de tecidos humanos, por alternativas mais seguras dum ponto de vista da transmissão de agentes infecciosos. Remanescem apenas os medicamentos preparados a partir de plasma humano. Também aqui os produtos recombinantes têm vindo a substituir gradualmente alguns dos concentrados, mas o estado actual da técnica e dos conhecimentos científicos ainda não permite a completa dispensa dos medicamentos hemoderivados, sem grave prejuízo para a Saúde Pública.

 

Relativamente aos agentes priónicos, múltiplos estudos de retrovigilância ainda não permitiram comprovar a possibilidade da sua transmissão por medicamentos e outros componentes derivados de sangue humano. Pelo contrário, se este tipo de doenças fosse facilmente transmissível por via sanguínea, muitos dos doentes hemofílicos, que recebem regularmente concentrados de factores de coagulação, estariam seguramente infectados pelo agente causador da CJD. A própria natureza do material infeccioso determinaria a sua concentração nas fracções do sangue terapeuticamente activas e que são administradas a estes doentes. Também no RU foram identificadas situações de transfusão de sangue, doado por pessoas que desenvolveram depois a vCJD e, até ao momento, continuam em observação sem quaisquer indicações de poderem ter sido infectados por esta via.

 

Mas, como a ausência de evidência de risco não pode ser tomada por evidência da ausência do risco, as autoridades responsáveis pela gestão do sector dos medicamentos estão atentas e vão adoptando as medidas que, cientificamente, mais se justificam. Também aqui é assumido o cenário do pior caso possível e se tem em conta que um adequado nível de segurança dos medicamentos derivados de plasma humano tem de ser compatibilizado com uma suficiente disponibilidade de produtos preparados de uma matéria prima preciosa e disponível em quantidades limitadas.

 

Relativamente à segurança dos medicamentos hemoderivados, naquilo que à transmissão de agentes priónicos diz respeito, há que considerar as situações que envolvem a CJD clássica e a vCJD de forma independente.

 

Quanto à CJD clássica, de há muito estão adoptados critérios de selecção e exclusão de dadores de sangue que minimizam o risco da utilização de sangue de pessoas potencialmente portadoras daquele agente infeccioso. Para além das pessoas a quem tenha sido diagnosticada a situação de doença, são também excluídas da dádiva as pessoas de idade mais avançada (a CJD prevalece nos indivíduos da terceira idade), os transplantados de dura-máter e os indivíduos que apresentem um risco acrescido de desenvolvimento de CJD familiar, entre outros.

 

Até há bem pouco tempo, as medidas de exclusão de dadores eram consideradas suficientes para garantir um adequado nível de protecção dos receptores de medicamentos hemoderivados, relativamente à transmissibilidade da CJD. A partir de determinada altura, e por razões que a ciência desconhece (não esquecer que ainda não foi detectado qualquer caso de transmissão da doença pela utilização do sangue e seus derivados) foi decidido nos EUA encetar um esquema de retirada do mercado de produtos preparados a partir de dádivas de pessoas e seus familiares a quem viesse a ser diagnosticada a CJD em fase posterior à dádiva. Tomada a medida, os peritos europeus, na altura, recusaram-se a secundá-la, por falta de dados científicos suficientes para a justificar e por anteciparem possíveis roturas no mercado dos medicamentos hemoderivados. Pôs-se então a questão de saber até onde deveria ir a recolha desses produtos, isto é, a partir de que período de tempo, entre a dádiva e o diagnóstico da doença, seria permitido usar os medicamentos preparados das dádivas das pessoas em causa e até que grande relação familiar era considerado o risco de contracção da doença identificada num dos membros da família. Não estabelecendo de início quaisquer limitações deste tipo, rapidamente as autoridades americanas se viram confrontadas com a retirada maciça de medicamentos derivados de plasma humano. Os lotes dos produtos preparados industrialmente a partir de pools de plasma, provenientes de muitas dádivas individuais, incluíam quase sistematicamente uma dádiva considerada suspeita, no contexto que se refere e que determinava a retirada do mercado de todos os lotes de medicamentos preparados a partir dessas pools. Além de se apresentar complicado gerir a situação dos doentes que já haviam consumido produtos dos lotes retirados, as dificuldades logísticas começaram a tornar-se mais aparentes e identificou-se a possibilidade de falta de medicamentos suficientes para tratar doentes que não podem sobreviver sem a utilização desses produtos. Não fora a rápida revisão da medida e muitos hemofílicos americanos não teriam disposto de quantidades suficientes de concentrados de factores de coagulação, para fazer face à sua situação clínica. Tiveram então de ser adoptadas restrições àquelas medidas. A comercialização dos lotes alvo começou por ser suspensa com manutenção dos produtos em quarentena mas disponíveis para utilização clínica dos doentes que deles precisassem nas situações de rotura do mercado. O relaxar das medidas, anteriormente adoptadas sem fundamento científico suficiente, foi também acompanhado pela não retirada de lotes preparados de dádivas de familiares de doentes de CJD.

 

Apesar da recomendação científica dos peritos europeus, no sentido de não acompanhar as medidas implementadas nos Estados Unidos, alguns governos europeus encetaram também uma estratégia de retirada pontual de lotes de medicamentos hemoderivados, que tinham incorporado dádivas de pessoas a quem fosse posteriormente diagnosticada a CJD. Porque o mercado destes medicamentos está cada vez mais globalizado, o CPMP, apesar de continuar a não reconhecer fundamento científico à medida, viu-se na contingência de ter de recomendar, também, a não utilização de medicamentos dos lotes cuja retirada fosse iniciada em qualquer país.

 

Pretendia-se que a não utilização de alguns lotes de produtos, em alguns países, não determinasse a concentração do eventual risco associado à sua utilização, nos países que seguissem as recomendações anteriores. O resultado prático deste processo conduziu a que, actualmente, se observe a sistemática retirada do mercado de lotes de medicamentos que incorporaram, nas suas pools de fabrico, plasma de dador ulteriormente identificado como infectado pela forma clássica da CJD.

 

Relativamente à vCJD, a situação é completamente diferente. São os diversos perfis de distribuição da infecciosidade pelos vários tecidos de doentes infectados, com particular realce para a maior infecciosidade detectada nos tecidos das linhas linfóides dos doentes da vCJD; é também maior a infecciosidade do agente causador da BSE relativamente ao agente causador da CJD; são ainda os resultados de experiências laboratoriais, em que a adição de agentes priónicos infecciosos a sangue humano, antes da aplicação do processo clássico de fraccionamento do plasma, que apontam para a distribuição da infecciosidade por todas as fracções obtidas.

 

Seja porque o agente causador da BSE é o mesmo agente causador da vCJD, seja porque existe uma causa comum que desencadeia as duas situações patológicas, a ligação entre as duas doenças está consolidada. Um dos factores de risco identificados para o desenvolvimento da vCJD é a residência no RU aquando da ocorrência da epidemia BSE. Como consequência destas constatações, o RU deixou de usar sangue recolhido no seu território para a preparação de medicamentos hemoderivados, e vários países, entre os quais Portugal, seguiram a recomendação do CPMP, no sentido da proibição do uso de medicamentos preparados de plasma de dadores de países, em que o risco de desenvolvimento da vCJD seja mais significativo, pela identificação de vários casos da doença. O único país excluído neste momento continua a ser o RU.

 

Mais recentemente, também os Estados Unidos e o Canadá decidiram excluir da dádiva as pessoas que, entre os anos de 1980 e 1996, tenham permanecido no RU por mais de seis meses.

 

Dada a falta de dados epidemiológicos suficientes que continua a persistir, pois apenas foram identificados cerca de 52 casos de vCJD, e mesmo reconhecendo o período de maior risco de transmissão do agente da BSE à população residente no RU, naquele período, não se conhece fundamentação científica para a definição das janelas de proibição, adoptadas pelas autoridades americanas e canadianas.

 

A questão está na agenda das autoridades europeias, suspeitando-se que a eventual adopção de medida idêntica possa prejudicar o objectivo almejado da autosuficiência europeia em sangue e seus derivados. Ao contrário do que se perspectivava, se pudessem continuar a ser usados na Europa os lotes de medicamentos retirados do mercado americano, por suspeitas de segurança devida à CJD clássica, a eventual não adopção de medida restritiva, idêntica à agora aplicada nos Estados Unidos e Canadá, não parece contribuir para um risco acrescido dos utentes europeus desses produtos. Outrossim a indústria europeia de hemoderivados poderá ver prejudicados os seus negócios além Atlântico se, na Europa, medida de idêntico alcance não for adoptada.

 

Dados os factos, os conhecimentos científicos disponíveis e os procedimentos globais em aplicação e tendo também em conta a não detecção de transmissão anterior de doenças priónicas por transfusão sanguínea ou pela utilização de medicamentos hemoderivados, quando as medidas adicionais que aqui se referem ainda não haviam sido implementadas, as probabilidades de transmissão de CJD ou vCJD pela utilização clínica de medicamentos derivados de plasma humano afiguram-se remotas.

 

Contudo, a progressiva substituição de produtos derivados de plasma humano por medicamentos obtidos por expressão in vitro de DNA recombinantes, que hoje se observa, contribui decisivamente para a diminuição do número de pessoas em risco potencial de contracção destas e de outras doenças infecciosas, garantindo assim uma melhor protecção da Saúde Pública da população.

 

 

 

Fonte: Direcção-Geral da Saúde (DGS)

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