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Trigo está 41% mais caro no mercado mundial em ano de recorde na produção de cereais

  • Monday, 18 October 2021 10:29

O preço do trigo no mercado mundial ficou em setembro 41% acima do valor de há um ano antes, "devido à redução das disponibilidades exportáveis" num contexto de "forte procura", de acordo com o último boletim mensal da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

Apesar da grandeza do número, "é preciso ver qual o peso que a farinha de trigo tem na fórmula do preço do pão. É uma fração diminuta se comparada com o peso da energia (para os fornos), do transporte ou da mão-de-obra", comenta Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP).

No entanto, o dirigente reconhece que, "face ao aumento dos preços dos combustíveis, da eletricidade, do gás e de outros bens, poderá ser inevitável uma atualização dos preços", reportando-se ao pão, mas também à carne, por exemplo, por via do encarecimento de outros cereais, como o milho (subiu 38% num ano), o arroz e a soja.

O aumento da cotação do trigo acabou por contribuir para a subida, pelo segundo mês consecutivo, do Índice de Preços de Alimentos da FAO, que reflete os preços dos bens alimentares mais comercializados a nível mundial. Elevou-se aos 130,0 pontos em setembro, mais 1,2% face a agosto, e mais 32,8% em relação a setembro de há um ano, uma trajetória que a organização atribui a uma "oferta restrita" e a uma "forte procura por alimentos básicos, como trigo e óleo de palma".

Produção recorde
Por outro lado, o boletim refere que o aumento dos preços dos cereais ocorre apesar de se prever uma produção recorde neste ano que, mesmo assim, está a revelar-se abaixo das necessidades dos consumidores.

"A produção global de cereais em 2021 deve atingir um recorde histórico de 2,8 mil milhões de toneladas, embora esteja abaixo das necessidades de consumo projetadas para a campanha de comercialização de 2021/22", indica a FAO.

"Entre os principais grãos, o trigo será o foco das atenções nas próximas semanas, já que a procura precisará de ser avaliada em relação ao rápido aumento dos preços", observou o economista sénior da FAO, Abdolreza Abbassian, citado no mesmo boletim.

Sob o efeito do óleo de palma
Já no caso do Índice de Preços do Óleo Vegetal, este ficou 1,7% mais elevado num mês, mas cerca de 60% acima dos valores de setembro de 2020, "já que os preços internacionais do óleo de palma atingiram o nível mais alto do mundo". A FAO explica que, "nos últimos 10 anos, devido à forte procura global de importação e preocupações com a escassez de trabalho migrante afetou a produção na Malásia".

No caso dos laticínios, o índice subiu 1,5% face a agosto, devido a uma "forte procura global de importação" e a fatores sazonais na Europa e na Oceânia.

Quanto preço do açúcar, deu-se um acréscimo de mensal de 0,5%, mas um aumento anual de 53,5%, uma evolução que a FAO atribui às "condições climáticas adversas e ao aumento dos preços do etanol no Brasil, que é o maior exportador mundial de açúcar".

Já o índice de preços de carnes permaneceu "praticamente inalterado em setembro em comparação com o mês anterior, embora o aumento anual tenha sido de 26,3%".

Receios nos mercados
Nos mercados de capitais, os analistas e gestores de fundos estão apreensivos e receiam uma possível crise alimentar. A gestora de ativos Sixty Degrees já alertou em fevereiro deste ano para a existência de riscos que possam levar a concretizar-se este cenário.

"A Sixty Degrees mantém as suas convicções, já divulgadas em fevereiro último, quanto à elevada probabilidade de estarmos perante uma crise alimentar no quadro de um cenário de estagflação a nível global", disse Nuno Sousa Pereira, responsável de investimentos da gestora de ativos.

"O mercado tem convergido paulatinamente para este cenário", alertou. Citou o facto de o preço das matérias-primas alimentares estar a manter "a toada de subida ao longo do ano" a que se soma o aviso do Fundo Monetário Internacional (FMI), que, no seu mais recente outlook, " alerta para a diminuição das perspetivas de crescimento de curto prazo da economia mundial e para o aumento do risco de estagflação".

"O aumento do preço das matérias-primas alimentares é agora generalizado, tendo algumas delas (açúcar, café, arroz e gado) recuperado recentemente o "terreno perdido", desde o início do ano, para as suas "congéneres" soja, trigo e milho", adiantou Nuno Sousa Pereira.

Causas

O gestor de ativos alertou que "a tendência de escalada dos preços é suportada por vários fatores, com especial incidência" na disrupção da cadeia de logística, a nível mundial, que eleva o custo de armazenagem, de transporte e de toda a cadeia de produção. Também o aumento dos custos da energia pesam na fatura, dado ser uma componente importante na produção de fertilizantes e onde o preço do gás natural representa 60% a 90% dos custos de produção. "Esta matéria-prima já subiu cerca de 125% desde final de 2020", apontou.

Somam-se fenómenos climatéricos que têm prejudicado algumas colheitas, como é o caso da maior vaga de frio da história recente do Brasil que acabou por congelar os campos de café resultando na perda desta colheita. E junta-se ainda a falta de mão-de-obra, especialmente nos países ocidentais.

O mesmo gestor de ativos sinalizou que a "procura por bens alimentares mantém-se robusta uma vez que a subida de preços, já antecipada pelos mercados financeiros, só agora se começa a repercutir no consumidor".

Olhos na China

Outro alerta de risco para uma eventual crise alimentar tem vindo da China, que está a braços com a gestão da falência sua maior imobiliária, a Evergrande, com ramificações para o mercado de crédito doméstico e com possível contágio a toda a atividade económica chinesa ou mesmo à economia mundial. Trata-se de uma empresa que tem mais dívida emitida que o Governo português, lembrou o responsável de investimentos das Sixty Degrees.

A par desta situação, tem havido uma escalada da pressão militar chinesa sobre Taiwan. Caso esta situação leve ao confronto/invasão de Taiwan, há riscos para os preços dos alimentos e matérias-primas. Trata-se também do local onde se produz a maior fatia dos mais avançados semicondutores a nível global.

"Uma disrupção do comércio na zona geográfica do Sul da China teria implicações não só sobre os bens alimentares, mas também sobre a maioria das cadeias de produção de outros bens, podendo originar um agudizar deste cenário de estagflação, isto é, baixo crescimento económico com inflação ao nível dos bens de consumo", disse Nuno Sousa Pereira.

Fonte: Dinheiro Vivo