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Onde está a pedra filosofal da alimentação?

  • Friday, 19 October 2018 10:56

A resposta pode ser dada sem enredos: no simples e no básico. Afinal, e ao contrário do que às vezes parece, nem tudo tem de ser sem lactose, sem glúten, sem açúcar. E saber ler os rótulos dos produtos é essencial.

O diálogo foi mais ou menos assim: "Queria um gelado." "Temos este saudável, sem açúcar." "Então o que tem em substituição [do açúcar]?" "Mel." "Não, obrigada."

Tânia Magalhães, nutricionista há 21 anos, atualmente na Unidade Local de Saúde de Matosinhos, não se deixa enganar: "O mel tem o mesmo impacto calórico do açúcar." Hoje em dia, defende, há um aproveitamento generalizado em redor das "alegações nutricionais". Um "marketing à volta de produtos que estão na moda", e que se tornou um imperativo geral, como se não houvesse exceções: sem lactose, sem glúten, sem açúcar.

Não é bem assim. "Sem lactose" só é bom para quem realmente é intolerante a esta substância. "Quem não é intolerante faz muito bem em beber leite "normal", até bem mais barato do que o sem lactose", realça a nutricionista. "Sem glúten" segue a mesma linha. "Só os celíacos é que devem ter o cuidado de comer sem glúten, que é a proteína presente em cereais como o trigo, a cevada, a aveia e o centeio."

Há outra ideia associada a esta vénia atual que é o "sem". O "sem" parece um atalho para o emagrecimento, o que, nas palavras de Tânia Magalhães "é errado". "Uma coisa não tem nada a ver com a outra", esclarece. "O que emagrece são os alimentos sem açúcar e o exercício físico."

É preciso fazer a substituição certa dos alimentos. Por exemplo, o açúcar deve ser substituído pelo adoçante natural stevia e não pelo mel, que possui "benefícios nutricionais" mas tem "o mesmo impacto calórico do açúcar". Ou seja, não serve. O leite de coco, de amêndoa, as bebidas vegetais não substituem o leite de vaca. Uma vez mais: "Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa."

Do lado do marketing, devia apostar-se na trilogia "veracidade, transparência e informação", desvenda a professora no IPAM do Porto, Sandra Gomes. E admite: "Sabemos que nem sempre isso acontece." Por outro lado, é importante que as marcas alimentares "usem o marketing de forma socialmente responsável".

A importância da rotulagem alimentar

No final do ano passado, o IPAM elaborou para a Organização Mundial de Saúde um estudo sobre rotulagem alimentar. Um trabalho que revelou a "crescente importância dos rótulos nas compras dos portugueses", mas também identificou "barreiras" que a população enfrenta para descodificar um rótulo. Estes obstáculos "têm a ver com os baixos níveis de literacia da população portuguesa", que traduzem "a dificuldade de compreensão da informação nutricional".

A investigação indica ainda que "a esmagadora maioria dos consumidores" refere problemas nos rótulos como a letra demasiado pequena, excesso de informação ou informação demasiado técnica e complexa, e a falta de harmonização/estandardização entre produtos/ marcas.

Tânia Magalhães toca na ferida: "[Sobre a informação nutricional] Passa-se pela rama nas escolas, não há educação sobre o tema." Um tema que, defende, "devia entrar no currículo escolar".

Na mesma linha de pensamento segue a professora Sandra Gomes: "É verdadeiramente urgente que se aprenda a utilidade do marketing de modo a ajudar a resolver alguns problemas sociais complexos, como é o caso da baixa literacia nutricional da população portuguesa." E enumera uma série de ideias para deslindar o problema, como "jogos interativos e desafios experimentais", acrescentando que o Estado é importante nesta equação, já que "pode oferecer benefícios às marcas que implementem campanhas desta natureza".

Como ler um rótulo

Tânia Magalhães diz que interpretar um rótulo não tem nada que saber. "Quanto mais simples for a tabela, melhor é a qualidade do alimento. Quanto mais familiar o nome do ingrediente, melhor se percebe que é mais natural", explica a nutricionista, acrescentando que conceitos muito complexos, como por exemplo "maltodextrina" (uma mistura de vários tipos da glicose) mancham a natureza do alimento.

Os iogurtes são um ótimo exemplo para ajudar a esclarecer a questão dos rótulos. "Quão mais complexa a leitura de uma embalagem de iogurte, pior podemos assumir que é o produto. O iogurte é apenas leite com fermentos lácteos. Se a lista de ingredientes for longa, com amidos e outras farinhas, é um sinal que torna o produto mais barato e nutricionalmente pobre."

A alimentação "da avó", com base no "simples" e no "básico", é o segredo a olho nu que esta nutricionista vê como a pedra filosofal da alimentação nos nossos dias.

Fonte: Jornal de Notícias