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Os perigos à espreita na moda das proteínas

  • Monday, 05 November 2018 11:09

Não é só nos ginásios que se mostra a febre proteica. Basta uma ida ao supermercado para se reparar no advento de marcas de iogurtes com proteína, e de leite ou de queijo para barrar fortificado com este nutriente. E ainda em barrinhas, bolachas ou cereais com essa alegação no rótulo. Quando se pára no corredor dos suplementos, abre-se então um mundo sem fim, que vai da proteína pura e dura, em pó, à clara de ovo líquida e às limonadas. “Totalmente sem açúcar e sem gordura e perfeita para uma dieta equilibrada, (...) é a forma mais refrescante de ingerir proteína”, lê-se na descrição da bebida.

Esta mania começou a crescer simultaneamente com uma mudança nas instruções internacionais para a quantidade de ingestão proteica. Até há poucos anos, os especialistas defendiam que deveríamos consumir, por dia, 0,8 gramas por cada quilo de peso (para um adulto mediano daria algo como 52 gramas por dia), seguindo as indicações norte-americanas, destinadas a uma população que comia muita carne. Hoje, fala-se em 1,2 gramas. Nos casos mais especiais, esse valor pode atingir os 2,4 gramas por quilo (156 gramas pelas mesmas contas). Não admira, pois, que no Reino Unido se tenha registado, de 2010 a 2015, um aumento de 500% no consumo de produtos anunciados como tendo elevado teor de proteína. Estes ganharam um estatuto idêntico ao da comida baixa em gordura nos anos 1980 ou ao ómega 3 no início do milénio.

No último Inquérito Alimentar Nacional 2015-2016, a investigadora na área da nutrição Carla Lopes registou um consumo de 86 gramas de média diária, com números mais elevados entre os homens e os adolescentes. Ou seja, perfeitamente dentro das diretivas mais recentes.

NÃO HÁ FISCALIZAÇÃO

Para quê, então, esta correria aos corredores dos suplementos que carecem de fiscalização? Ou aos iogurtes fortificados, quando eles, já por si, são ricos em proteína? Porque se trata de mais uma tendência nutricional ditada também pela indústria, que faz despertar algumas dúvidas entre os consumidores. Isabel do Carmo, endocrinologista, elimina-as numa frase: “Não interessa nada ganhar mais músculos à custa da ingestão proteica.” Além disso, como os suplementos alimentares não são fiscalizados pelo Infarmed, como os medicamentos – bastando declarar ao Ministério da Agricultura que estão no mercado –, na realidade ninguém sabe o que levam na sua composição. Só no caso de uma denúncia, a autoridade do medicamento pode intervir e tem meios para o fazer. No entanto, não temos tradição desse tipo de ação e, por isso, não há história de algum processo levantado nesse sentido em relação a suplementos proteicos.

Isabel do Carmo já seguiu três casos de adolescentes que se queixavam de falta de pêlos, desenvolvimento genital comprometido e ausência de barba. Tomavam esse tipo de batidos e a médica, admitindo a presença de androgénios na sua composição, mandou-os fazer análises às hormonas sexuais e detetou uma presença anormal de testosterona. Explica: “Quando são tomados por via oral, esses androgénios vão inibir a sua estimulação natural pela hipófise.”

ENVELHECER MAIS DEPRESSA

A ingestão destes suplementos também pode servir para emagrecer, quando se retiram os hidratos de carbono da equação, e a gordura e as proteínas passam a ser a fonte de energia privilegiada. Mas isto só pode acontecer durante a fase da dieta, depois há que retomar o normal equilíbrio dos nutrientes para manter o peso. Até porque um estudo da Universidade da Finlândia Oriental, que seguiu 2 400 homens de meia-idade durante 22 anos, chegou à conclusão de que um regime baseado em proteínas resulta em 49% de maior risco de o coração falhar. Um paper, proveniente de outro estudo, publicado no ISRN Nutrition, alerta para o facto de uma ingestão elevada de proteína poder ser inútil ou até prejudicial para indivíduos saudáveis, especialmente para os que se autoprescrevem com suplementos. O excesso de proteína, lê-se, “não é usado eficientemente pelo corpo e pode impor uma carga metabólica nos ossos, rins e fígado”.

Não vale a pena passar dos 25 gramas por refeição. É essa a convicção de Cláudia Minderico, nutricionista especialista em Educação Física. “Com proteína a mais, cria-se massa gorda e depois há que secá-la. Além disso, desgasta-se mais o fígado, que faz a transaminação dos aminoácidos, e os rins, que eliminam a ureia.”

É importante registar que não há evidência científica de que, mesmo ingerindo suplementos, um excesso de proteína vá causar doença nos rins, mas quem já a tiver não deve abusar porque pode agravar a lesão. O que acontece é que o organismo envelhece mais depressa. “Os atletas de lazer estão a agir como os de alta competição agiam antigamente, quando as suas carreiras eram muito curtas porque se desgastavam depressa. Hoje, já se sabe que para terem alto rendimento durante mais tempo, o importante é tomarem antioxidantes para combater o caráter naturalmente envelhecedor do exercício.”

DICAS DE PROFISSIONAL

Nada disto significa que a proteína não seja importante. Aliás, ela deve constituir 35% da nossa dieta alimentar, porque sacia, fortalece os ossos, fornece energia sem engordar e, de facto, é um elemento que ajuda à estruturação dos músculos. Nesta sua última função, ela deve ser ingerida na meia hora que se segue ao treino, pois é nessa janela anabólica que a proteína vai desencadear a produção de insulina. E só beneficia se for adicionada a algum hidrato de carbono, para se diminuir a produção de gordura. “Daí que muita gente que toma os suplementos o faça com uma peça de fruta, por exemplo”, nota Cláudia Minderico. São pequenos truques que só um profissional da área pode revelar, caso a caso.

Quando perguntam a Vítor Hugo Teixeira, professor da Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto, acerca da necessidade de se complementar uma dieta com suplementos proteicos, responde sempre da mesma forma: “Não são essenciais, mas são úteis e convenientes.” Explica ainda que mais importante do que a quantidade ingerida (esta muito dificilmente estará abaixo do recomendado), é a sua distribuição ao longo do dia, sem estar concentrada apenas ao almoço e ao jantar. “Com os suplementos é fácil suprimir o desequilíbrio natural da ingestão”, refere o também nutricionista num clube de futebol.

No caso de quem pretende emagrecer, os suplementos podem ser um bom aliado para aumentar a carga proteica, perdendo-se peso sem ser à custa da massa muscular e sem aumentar as calorias, fugindo de gorduras ou hidratos de carbono associados. Mas quando se fala de massa muscular, Vítor Hugo Teixeira é perentório: “O exercício físico é o grande determinante. Durante as 24 horas que se seguem a um treino, eleva-se o estado basal e aumenta-se a síntese proteica. Se beber um suplemento, essa síntese só dura três a quatro horas.”

CUIDADOS COM AS CRIANÇAS

Como divergem pouco do leite em pó – a whey, por exemplo, é proteína do soro do leite desidratada –, não existe indicação para se restringir o consumo destas bebidas em idade pediátrica. A prudência dita, no entanto, que nunca se dê a pessoas com menos de 16/18 anos.

OS ALIMENTOS MAIS PROTEICOS

Toda a proteína de que precisamos está disponível na comida. É só saber onde procurá-la nas dez melhores opções

- 100 gramas de peito de frango ou peru: 25 gramas de proteína

- 100 gramas de peixe: 20 gramas de proteína

- 100 gramas de carne vermelha: 20 gramas de proteína

- 1 lata de atum: 19 gramas de proteína

- 100 gramas de camarão: 17 gramas de proteína

- 100 gramas de queijo fresco: 12 gramas de proteína

- 100 gramas de aveia: 11 gramas de proteína

- 100 gramas de lentilhas: 9 gramas de proteína

- 30 gramas de amêndoas: 6 gramas de proteína

- Um ovo grande: 6 gramas de proteína (maior concentração na clara)

Fonte: Visão