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É possível comer carne sem ter um impacto negativo no Ambiente?

  • Wednesday, 24 February 2021 10:54

Numa exploração da lezíria ribatejana, as vacas alimentam-se exclusivamente da pastagem, que armazena mais metano e dióxido de carbono do que o que é emitido pelos animais. Além disso, não são aplicados fertilizantes azotados. Mas faz falta uma entidade que certifique as boas práticas do setor, para os consumidores terem a certeza de que a sua escolha é sustentável, diz o fundador da empresa.

São 160 vacas numa propriedade de 100 hectares junto ao Tejo, perto de Vila Franca de Xira. Durante toda sua vida não comem outra coisa que não erva. “As pastagens nesta região da lezíria são muito produtivas, o que nos permite alimentar todos os animais, o ano todo”, explica João Testos Pereira, engenheiro zootécnico e sócio-fundador da Carne d’Erva. “Temos até excesso de produção na primavera; nessa altura, cortamos e fazemos feno ou forragem e damos aos animais quando eles precisam mais de fibra.”

A produção de carne, sobretudo de vaca, é uma considerável fonte de emissões de gases com efeito de estufa. Mas esta exploração baseia-se em pastagens semeadas biodiversas, um tipo de cobertura vegetal capaz de absorver, anualmente, 6,5 toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) por hectare (um pouco mais do que emite um português médio). Uma abordagem que torna o saldo positivo em carbono, num setor que tem estado sob fogo devido às suas altas emissões, que contribuem para o aquecimento global.

“Pelos estudos que existem da fixação de carbono das plantas, podemos dizer que é um balanço mais do que neutro: temos um intervalo significativo entre o deve e o haver que compensa todo o circuito, da origem à mesa do consumidor”, garante o engenheiro zootécnico, sublinhando que um hectare de pastagens biodiversas absorve o CO2e de várias vacas. A exploração da Carne d’Erva tem 160 animais a pastar em 100 hectares, o que dá 1,6 bovinos por hectare.

Um problema de confiança

Todas as plantas absorvem CO2. Mas as pastagens biodiversas têm um potencial acima da média: sendo utilizadas 12 meses por ano fixam muito mais carbono do que, por exemplo, as pastagens de sequeiro. Além disso, as raízes também armazenam carbono, carbono esse que não volta a ser exposto. “Não havendo mobilização do solo, fica sequestrado no solo, nas raízes. Pode estar lá dezenas de anos”, explica João Testos Pereira.

Outra vantagem destas pastagens é que são constituídas por leguminosas, pelo que não necessitam de fertilizantes azotados (que poluem os cursos de água): uma bactéria presente nas plantas fixa o azoto presente no ar, tornando desnecessária a fertilização artificial. O estrume das vacas devolve também os nutrientes à terra.

Produzir de forma extensiva e sustentável, com os animais a engordarem mais lentamente, torna o produto final mais caro – os packs de carne que a empresa disponibiliza no seu site custam entre €12,5 e €25 o quilo. “Muita gente quer produtos sustentáveis, mas o preço ainda pesa na decisão”, diz o sócio da empresa, que vende (online) cerca de 35 toneladas por ano, a maioria para clientes particulares. Mesmo para quem o ambiente é um fator determinante nas suas escolhas e tem um elevado poder de compra, há que ultrapassar a questão da confiança. Como se garante que uma empresa é tão “verde” como apregoa?

“Alguns clientes perguntam-nos: como é que tenho a certeza? Não há em Portugal uma entidade que certifique que o animal é 100% grass-fed [alimentado a erva], como existe em Espanha e noutros países”, lamenta João Testos Pereira. “Temos entidades que certificam para biológico, só. Mas ser biológico não quer dizer que seja alimentado a erva… Tem de ser criada uma estrutura de certificação que demonstre a sustentabilidade do produto. Nós temos as portas abertas a quem nos quiser visitar, mas é só isso que podemos fazer.”

Comer menos, produzir melhor

Não há, no entanto, espaço físico para produzir desta forma extensiva toda a carne que o mundo consome. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, entre muitas outras entidades, recomendam a redução do consumo como caminho fundamental para baixar as emissões de gases com efeito de estufa da agricultura.

“Temos um problema, de facto, de emissões de carbono em vários setores, da agricultura aos transportes e à produção de energia. E há realmente dietas demasiado ricas em carne”, reconhece João Testos Pereira. “No setor que me diz respeito, a produção de carne, o problema deve ser abordado em diversas frentes. Devemos educar para um consumo mais equilibrado. Produzir de modo mais sustentável é outro caminho. É um conjunto de medidas que levará à redução per capita das emissões de carbono da produção de carne.”

Fonte: Visão Verde