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Conseguimos sobreviver sem açúcar e sem sal?

  • Wednesday, 02 August 2023 16:51

São essenciais para o funcionamento do organismo, mas ganharam fama de vilões nos últimos anos. E isso tem razão de ser. Os benefícios, as quantidades, os malefícios.

As dúvidas em torno da alimentação são tantas e parecem multiplicar-se quanto mais informação temos. Afinal, o que é saudável? O que devemos comer? Olhemos para esses dois grandes “vilões”, o açúcar e o sal, que ganharam má fama nos últimos anos. Será que conseguimos viver sem eles? Em boa verdade não, são nutrientes tão importantes que até temos estruturas especializadas no intestino que captam um tipo de açúcar (a glucose) e o sal (sódio) em conjunto. Um e outro são preciosos para o organismo. O problema é que atualmente temos consumos excessivos, sobretudo com os alimentos processados, e aí é que tudo se complica.

Comecemos pelo princípio. E pelo açúcar. No contexto da nossa alimentação atual, “podíamos perfeitamente viver sem açúcar de adição, sem produtos açucarados, isto na medida em que conseguimos ir buscar a glucose a outras fontes alimentares”, como explica José Camolas, nutricionista e professor universitário. Ou seja, além do açúcar de colher, este nutriente está presente noutros alimentos com hidratos de carbono e nos quais raramente pensamos quando o tema é açúcar. No pão, no arroz, na massa, na batata. Nas leguminosas, como feijão ou grão. E na própria Natureza, embora não haja muitos alimentos naturalmente doces, nomeadamente na fruta e no mel. “O resto do açúcar que consumimos, para lá destes alimentos, é dispensável do ponto de vista biológico”, aponta. Aliás, a maior parte das populações do Mundo viveu sem açúcar de adição até à expansão marítima europeia – e depois era um artigo de absoluto luxo, só ao acesso dos mesmo muito ricos.

Lillian Barros, também nutricionista, subscreve e estabelece a diferença entre consumir açúcares adicionados e açúcares naturalmente presentes. Os primeiros, “nos quais se incluem a sacarose, açúcar invertido, amarelo, mascavado, coco, glicose, frutose, maltose, dextrose, maltodextrina, extrato de malte, melaço, mel ou xaropes, têm uma absorção muito mais rápida e provocam picos de insulina”. Os segundos “estão presentes, por exemplo, na fruta, laticínios e cereais, coexistem com a fibra, vitaminas, minerais, proteína e tantos outros nutrientes benéficos, pelo que a sua absorção é mais lenta e não provoca os efeitos nefastos dos açúcares adicionados”. É por isso, diz, que mesmo a frutose, o açúcar da fruta, “tem uma absorção diferente quando adicionada aos alimentos do que quando está naturalmente presente na fruta”.

O que diz a OMS

Resumindo, o nosso corpo precisa de açúcar. Porquê? “Quando falamos de açúcar há um conjunto muito diverso, mas a glucose é o mais universal no nosso organismo. Todas as nossas células em proporção diferente podem usar a glucose como uma fonte de energia. Sendo que algumas, como os glóbulos vermelhos, são mesmo dependentes da glucose para sobreviver”, salienta José Camolas. A questão é que o açúcar já está presente em muitos alimentos do dia a dia e tudo o que comemos para lá disso – em bolos, bolachas, refrigerantes – não é necessário. Apesar disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) olhou para os chamados açúcares livres, que são adicionados por nós ou pela indústria alimentar, e não sugere o corte por completo. A recomendação é que o consumo destes açúcares não deve exceder 10% do consumo energético total. “Para uma pessoa que coma duas mil calorias diárias, são 200 calorias, o que corresponde a 50 gramas de açúcares livres.”

A média de consumo em Portugal, segundo o vice-presidente da Ordem dos Nutricionistas, “ronda os 35 gramas por dia”. Só que este número dispara nos mais jovens. “Quase 50% das crianças e adolescentes comem mais de 10% da sua energia diária sob a forma de açúcares livres, o que sabemos que tem implicações para a saúde, nomeadamente no risco de doenças crónicas, metabólicas, na saúde oral, obesidade, diabetes, saúde cardiovascular.”

E sim, é difícil dispensar o açúcar do ponto de vista do prazer, “há muita investigação que demonstra que a nossa potencial dependência do açúcar não tem a ver exclusivamente com o sabor doce, mas também com o papel que ele tem na regulação do sistema nervoso central da fome, dos circuitos de prazer”. Há, de facto, algum grau de adição a produtos mais açucarados, “uma preferência inata, é um sabor que a grande maioria dos humanos aprecia sem esforço, e quanto mais nos expomos ao consumo de doces, mais necessidade temos de os consumir”. Por isso, no caso das crianças, avisa José Camolas, “é importante expô-las o mais tarde possível a alimentos excessivamente doces para não potenciar essa preferência”.

Com conta, peso e medida

No que toca ao sal, podemos recuar no tempo para apanhar o fio à meada. Foi entrando na nossa alimentação primeiro como conservante alimentar. “E, se nos reportarmos à era do Império Romano, era um bem precioso”, realça o nutricionista. Curiosamente, o salário tem a designação que tem porque “metade era pago em ouro e outra metade era em sal, de tão precioso que o sal era”. Entrou nos hábitos gastronómicos como intensificador do sabor dos alimentos – hoje, uma receita de um qualquer doce processado também tem sal. Transformou-se num nutriente muito presente por tornar os alimentos mais saborosos, o que é um círculo vicioso. Se sabe melhor, comemos mais.

É constituído por dois minerais, o sódio e o cloro, essenciais ao saudável funcionamento do nosso organismo. Não é um nutriente que se possa retirar da dieta. O problema, claro está, é o excesso. E as consequências, de acordo com Lillian Barros, são muitas: hipertensão, aumento do risco de cancros (em particular do estômago), sobrecarga do funcionamento renal (pelo maior esforço do rim para excretar o excesso de sódio), mais retenção de líquidos. A recomendação da OMS é não ultrapassar os cinco gramas de sal de cozinha por dia, o que equivale a uma colher de chá. Em Portugal, segundo o mais recente Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, citado por José Camolas, “estamos perto dos oito gramas, com mais intensidade nos homens – e os acidentes cardiovasculares são mais frequentes nos homens do que nas mulheres -, o que é arrepiante, o consumo de sal no nosso país é um problema”.

Começa nas práticas culinárias em casa – podemos tentar reduzir quando cozinhamos, substituindo por salicórnia, ervas aromáticas, especiarias, sumo de limão. E acaba no pão, que é uma grande fonte de sal na população portuguesa (a indústria da panificação já tem vindo a fazer algum trabalho para reduzir) e nos alimentos processados. “Os pareceres científicos da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos afirmam que a principal fonte de sódio no regime alimentar são alimentos processados, representando cerca de 70% a 75% do aporte total”, destaca Lillian Barros. Há inúmeros produtos que contêm doses muito elevadas de sal, “batatas fritas, aperitivos salgados, enchidos, caldos, sopas instantâneas, molhos, refeições pré-preparadas, alimentos enlatados, produtos de salsicharia, charcutaria e alimentos fumados, determinados tipos de queijo, azeitonas, pipocas e crackers salgadas”.

No fundo, esclarece Camolas, o açúcar e o sal são tão importantes no metabolismo celular que “o organismo se especializou na sua absorção e quando eles estão presentes em excesso, vamos absorvê-los em excesso e aí, em vez de contribuírem para a saúde do organismo, vão perturbá-la”. Não há que demonizar estes nutrientes, há é que os consumir com conta, peso e medida. A frase é conhecida: a diferença entre um remédio e um veneno está na dose.

Adoçantes, a polémica

Há uns anos, lembra José Camolas, a evidência sugeria que a troca do açúcar por um adoçante artificial podia ser favorável em situações de excesso de peso ou de diabetes, por se tratar de um produto com baixo valor energético. Mas o que se tem vindo a verificar é que, “a médio-longo prazo, o consumo de adoçantes não é protetor”. A polémica com os adoçantes (que não são um nutriente, não precisamos deles) não é de agora, já a houve com a sacarina, mas recentemente justificou que a OMS incluísse o aspartame na lista de potencialmente cancerígeno. Na verdade, a comunidade internacional começou a ficar preocupada com o avolumar do consumo por estar presente numa panóplia infinita de alimentos. “O aspartame está em milhares de produtos, alguns inusitados, como pasta de dentes, suplementos multivitamínicos, medicamentos para crianças.” Mas, garante o nutricionista, não há motivo para o pânico, antes para moderarmos o consumo. “O problema não é beber umas latas de refrigerante, é bebê-las e ainda comer um ou dois bolos, mastigar umas pastilhas elásticas, uns rebuçados e, de repente, estamos a somar. O risco está aí, no efeito cumulativo.”

Fonte: Notícias Magazine