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Muito para além da polpa: o potencial inexplorado do maracujá roxo

  • Friday, 17 October 2025 13:05

O maracujá roxo, para além da polpa saborosa, tem casca e sementes ricas em fibra dietética, minerais e vitaminas, com grande potencial para a alimentação humana e passíveis de conferir alegações nutricionais.

Este estudo mostrou ainda que as características do fruto se mantêm estáveis ao longo de diferentes colheitas, sob condições controladas de cultivo. Assim, todo o fruto pode ser aproveitado suportando uma estratégia de valorização integral e sustentável, sem desperdícios.

O maracujá roxo (Passiflora edulis f. edulis) é bem conhecido pelo seu sabor intenso e aroma característico. A polpa, consumida em fresco ou processada em sumo, é a parte mais apreciada pelos consumidores, mas, uma grande fração do fruto (cerca de 50%) acaba normalmente descartada como resíduo, principalmente as cascas e, em alguns casos, também as sementes.

Com uma produção global estimada em 1.5 milhões de toneladas de maracujá por ano, cerca de metade deste valor é gerado como subproduto. No estudo “From physicochemical characteristics variability to purple passion fruit (Passiflora edulis f. edulis) powders nutritional value: on the path of zero-waste”, publicado no Journal of the Science of Food and Agriculture (DOI 10.1002/jsfa.14087), uma equipa do Departamento de Química da Universidade de Aveiro, e dos laboratórios REQUIMTE e CICECO vem propor uma nova perspetiva para a valorização destes subprodutos ao demonstrar que estes têm elevado potencial de exploração, quer enquanto base para a produção de ingredientes alimentares ou quer para a preparação de pós para consumo humano.

Nesse contexto, foram avaliadas em detalhe as características físico-químicas, nutricionais e bioativas das diferentes partes do fruto (casca, polpa e sementes) ao longo de três colheitas consecutivas para determinar a sua variação entre diferentes colheitas. Efetivamente, o conhecimento sobre a variabilidade temporal da composição do maracujá roxo é fundamental para a viabilidade da sua valorização económica.

Avaliação da variabilidade temporal das características físico-químicas do fruto

A variabilidade da composição de produtos naturais, e dos seus subprodutos, colhidas em diferentes anos é influenciada por vários fatores ambientais e agrícolas e de pós-colheita. A garantia da estandardização da composição de um produto alimentar é um requisito importante para a sua comercialização e é tanto mais assegurado quanto menor a variabilidade entre colheitas relativamente à composição da matéria-prima.

Neste estudo, os investigadores salientam que para esta avaliação foi salvaguardada uma gestão adequada de irrigação da plantação, impedindo que ocorra stress hídrico ao mesmo tempo que foram tidas em conta as variações das condições meteorológicas verificadas durante cada uma das colheitas. Perante isto, foi observado que em frutos no mesmo estado de maturação, características como massa e dimensões do fruto, peso fresco de cada uma das frações, a sua humidade, compostos fenólicos totais e atividade antioxidante não apresentaram diferença significativas.

É também de destacar a atividade antioxidante o teor de compostos fenólicos presentes nas diferentes partes do fruto. Estes compostos desempenham um papel importante na proteção contra o stress oxidativo, estando por isso associados a benefícios para a saúde e mitigação dos sintomas de doenças crónicas associadas a um desequilíbrio redox. Foi demonstrado que no maracujá, estes compostos se concentram principalmente na casca (23-26 mg EAG/g peso seco), sendo por isso a parte do fruto que demonstrou maior atividade antioxidante in vitro.

Casca e Sementes: Fontes de fibra dietética e vitamina C

Outro destaque deste estudo vai para a riqueza nutricional destes pós: os pós de casca e das sementes do maracujá roxo são fontes de fibra alimentar, enquanto os pós da casca e da polpa concentram quantidades muito significativas de vitamina C. De acordo com os resultados obtidos, um consumo diário de 10 gramas de pó obtido a partir da casca ou das sementes fornece, respetivamente, 21% e 22% da dose diária recomendada de fibra dietética e 51% e 11% da dose diária recomendada vitamina C.

De acordo com a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar, uma alegação nutricional de “Alto teor de fibra” exige que o produto contenha pelo menos 6 g de fibra por 100 g, enquanto uma alegação de “Fonte de” vitamina C só pode ser feita quando o produto contém uma quantidade significativa (15% da ingestão diária recomendada, conforme definido no anexo da Diretiva 90/496/CEE, revogada pelo Regulamento (UE) n.º 1169/2011), e uma alegação de “Alto teor” de vitamina C quando o produto contém pelo menos o dobro do valor da alegação de “Fonte de”. Assim, de acordo com estes critérios: o pó de casca é elegível para as alegações de “Alto teor” de fibra e “Alto teor” de vitamina C e o pó de sementes para “Alto teor” de fibra.

Um recurso com futuro na indústria alimentar

Em suma, com base neste estudo, os autores salientam que para além da polpa muito utilizada, a casca e as sementes do maracujá roxo podem deixar de ser considerados como um subproduto, para se tornarem numa fonte valiosa de ingredientes promissores no contexto da inovação alimentar. Ricos em fibra dietética, vitamina C e compostos com atividade antioxidante, oferecem benefícios nutricionais claros, e a sua exploração contribuiu para a valorização sustentável da cadeia de valor. Ao promover o aproveitamento integral do fruto, este estudo abre caminho à possibilidade de desenvolver produtos alimentares que conjuguem sabor, saúde e sustentabilidade. Estes pós podem ser explorados como ingredientes alimentares, ou podem ser comercializados na forma de pós para adicionar a uma grande panóplia de formulações alimentares como iogurtes, batidos, ou podem ser utilizados na confeção de produtos de panificação, entre outros. Assim este estudo é um exemplo claro de como ciência e inovação podem caminhar lado a lado para criar soluções simples, sustentáveis e alinhadas com os desafios globais da alimentação e as tendências de mercado.

Fonte: iAlimentar