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Nota histórica sobre as Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis animais

INTRODUÇÃO

As Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis (EET) nos animais são reconhecidas desde há muitos anos tendo sido demonstrada, em quase todas as espécies, a sua transmissibilidade.

 

De todas elas, a mais mediatizada, pela apreensão que desde a sua descoberta, em 1986, vem causando à população consumidora de carne, é a BSE, designação derivada da terminologia Anglo-Saxónica – Bovine Spongiform Encephalopathy.

 

O aparecimento da BSE, vulgarmente conhecida como "Doença das Vacas Loucas", teve lugar no Reino Unido (RU) e pouca gente se apercebeu, na altura, da magnitude dos problemas que se seguiriam.

 

Tal como no Homem, as EET animais são doenças neurológicas lentas, incluídas no grupo das doenças progressivas e degenerativas do sistema nervoso central (SNC), invariavelmente de desfecho fatal.

 

A ocorrência de milhares de casos de BSE no RU chamou a atenção de cientistas de todo o mundo, em especial na Comunidade Europeia, para o grupo de doenças na qual esta se enquadra, por duas razões de grande importância.

 

Em primeiro lugar, porque desde logo se equacionou a hipótese da sua transmissão ao Homem e, em segundo, porque, decorrente desta possibilidade de elevado risco em termos de Saúde Pública, houve que acautelar tal transmissão, através de medidas que muito afectaram e afectam a economia dos Estados Membros nos quais foi identificada.

 

ENCEFALOPATIAS APARENTADAS À BSE NOS ANIMAIS

Apesar da BSE ter estimulado na última década e meia a investigação das EET, tanto no homem como nos animais, em especial no que diz respeito à transmissão do seu agente causal dos animais ao Homem, é pertinente esclarecer que em ambos os casos o seu agente etiológico partilha, de acordo com a maioria das teorias, as mesmas características fundamentais, dando origem a um só grupo de doenças.
 
Nos animais a doença foi assinalada e a sua transmissibilidade demonstrada, tal como explicitado no Quadro I, segundo a ordem cronológica do seu reconhecimento.
 
As seguintes características são comuns a todas estas doenças:
  • São causadas por um agente não convencional, altamente resistente (conhecido por prião);

  • Têm um período de incubação extremamente longo;

  • São doenças progressivas e invariavelmente fatais;

  • Não provocam reacções inflamatórias significativas nem reacções imunológicas;

  • São causadoras de alterações degenerativas no cérebro, designadamente vacuolização;

  • Induzem o aparecimento de estruturas fibrilares (SAF – Scrapie Associated Fibrils), detectadas nos extractos cerebrais, através do microscópio electrónico.

 

Quadro I – Cronologia da identificação das encefalopatias espongiformes animais

Doença

Espécie de ocorrência

Demonstração de transmissibilidade

Scrapie

Ovinos/caprinos

1936

Encefalopatia Transmissível do Visão (TME)

Visão

1965

Doença Crónica Emaciante (CWD)

Veado

1983

Encefalopatias Espongiformes

Antílopes vários

*

Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE)

Bovinos

1988

Encefalopatia Espongiforme Felina (FSE)

Gato

1992

* Período alargado de tempo

 

A ORIGEM DA DOENÇA NOS BOVINOS

Os primeiros casos de BSE foram diagnosticados em Novembro de 1986, por exame histopatológico do cérebro de animais afectados, embora a análise retrospectiva de outras descrições da doença pareça indicar que o primeiro caso de BSE terá ocorrido em Abril de 1985.
 
O estudo epidemiológico, levado então a efeito no RU, tendo como principais premissas factores comuns no maneio nas explorações afectadas, tais como a alimentação, tratamentos, uso de pesticidas e herbicidas, trânsito animal, coabitação com ovinos, acentuou a suspeita de que o agente causal do Scrapie tinha ultrapassado a barreira das espécies e infectado os bovinos.
 
Este facto, não provado no que diz respeito à passagem do Scrapie ao Homem, não obstante os vários estudos efectuados, gerou grande expectativa sobre a hipótese da transmissão da doença ao Homem e consequentes riscos para a Saúde Pública.
De facto, apesar da similitude do agente causal e das características lesionais da Scrapie com a doença humana, tem sido rejeitada a possibilidade daquela estar na origem da afecção no ser humano.
 
Ora se nenhuma prova consistente até agora foi apurada relativamente à transmissão do Scrapie ao Homem, também é verdade que o mesmo era suposto acontecer relativamente à transmissão aos bovinos.
Todavia, a partir de 1986, altura em que os estudos epidemiológicos pareciam indicar que a BSE decorria da ingestão, pelos bovinos, de rações contendo farinha de carne e ossos de ovinos rejeitados nos matadouros, uma nova questão ganhou forma e foi levantada a hipótese de esta nova doença ser transmissível ao Homem a partir dos bovinos, ultrapassando outra barreira de espécie.
 
Na actualidade, as investigações já efectuadas e confirmadas deram nova visibilidade à questão e permitiram concluir que o agente causal da BSE e da nova variante da Doença de Creutzfeldt-Jakob (vCJD – Variant of Creutzfeldt-Jakob Disease), entretanto surgida no Homem, é o mesmo, nas suas características moleculares e biológicas, sendo contudo diverso do agente causador do Scrapie.
 
Nesta evidência, a hipótese de o consumo de farinhas de carne e osso de ovinos, afectados pelo Scrapie, estar na origem da doença começou a ser afastada e a possibilidade da amplificação da BSE a partir dos mesmos produtos de origem bovina ganhou forma.
Para tal assume-se que a doença já existia nos bovinos, antes da amplificação colossal que se observou, e que outros factores tiveram intervenção em todo o processo de reciclagem de despojos de matadouros e lhe vieram dar origem.
 
Os estudos efectuados permitem apoiar esta última teoria e centram-se na actividade industrial de reciclagem e transformação de restos de matadouro em farinha de carne e osso, com vista à incorporação nos alimentos compostos para animais, neste caso concreto, em bovinos, sobretudo de produção de leite.
 
A forma da curva epidémica da BSE no RU é típica de uma epizootia que progrediu a partir de um foco comum. Por exclusão, o único factor comum que pôde ser identificado como responsável foi a alimentação com produtos específicos do comércio. Cada caso detectado revelou-se um caso primário, no qual não foi possível provar a transmissão de bovino a bovino. As gorduras animais e as farinhas de carne e ossos foram responsabilizadas como veículo da infecção, já que na sua maioria eram provenientes de ovinos com Scrapie, ou de bovinos afectados pela nova BSE – doenças com semelhanças evidentes.
 
Contudo, o Scrapie existe no RU desde há três séculos, numa população numerosa de ovinos, os quais constituem 15% dos produtos animais reciclados para incorporação nas rações, contribuindo os bovinos com 45% dos citados produtos.
A questão que, pertinentemente, se pôs então teve a ver com a razão pela qual a doença não se manifestou nos bovinos antes de 1980. Para lhe responder, foi feita uma investigação detalhada em 46 empresas de transformação de subprodutos animais no RU.
 
Os elementos recolhidos permitiram apurar que na produção de farinhas de carne e ossos as temperaturas alcançadas, na maioria dos processos de tratamento, a uma pressão atmosférica normal, não eram suficientemente elevadas para garantir a eliminação total de grandes quantidades do agente infeccioso do Scrapie, sendo, apesar de tudo, adequadas para um nível baixo de contaminação.
Foi, de facto, uma alteração aos processos de tratamento que permitiu a sobrevivência do agente infectante na farinhas de carne e ossos.
 
Entre 1972 e 1988, 75% da farinha de carne e ossos passou a ser produzida mediante processos contínuos, facto que não explica o aparecimento da BSE, já que, relativamente aos processos descontínuos antes utilizados, não houve diferenças nas médias de temperaturas máximas, além de que esta mudança foi demasiado gradual, para poder ser relacionada com o começo da exposição dos bovinos ao agente infeccioso. Acresce ainda que o tamanho das partículas da matéria prima é menor nos processos contínuos, o que favorece a inactivação do agente do Scrapie.
 
Contudo, e durante o período referido, verificou-se também um decréscimo acentuado no uso de solventes para extracção de gorduras animais, especialmente entre 1980 e 1983, em que se verificou, de forma abrupta, uma redução em cerca de 50%.
As condições habituais da extracção de gorduras com solventes implicavam uma temperatura inicial de 70ºC durante oito horas, o que reduzia a infecciosidade do agente do Scrapie e o tornavam mais termo-sensível.
 
Numa segunda fase, a aplicação de vapor a alta temperatura, durante 15 a 30 minutos, com a finalidade de eliminar os restos de solventes, completava a inactivação do agente infeccioso, já que é mais sensível ao calor húmido do que ao seco.
 
O abandono do uso de solventes em grande número de fábricas e a forma rápida como se processou condiz, de facto, com os factores essenciais apurados no aparecimento da BSE, e daí a conclusão de ter sido esta a verdadeira origem epizoótica da doença. Refira-se ainda, em apoio a esta conclusão, que no RU apenas duas fábricas continuavam usando o processo dos solventes para extracção das gorduras, ambas na Escócia, o que explica uma incidência muito inferior da BSE nessa Região.
 
Além disso, metade das fábricas aí localizadas processavam subprodutos intermediários que, de seguida, eram vendidos a outras fábricas. Estas, por sua vez, misturavam-nas a outras matérias primas nas rações, submetendo-as a um novo ciclo de tratamento técnico.
 
É curioso notar que o número de fábricas que assim procedia aumentava do Sul para o Norte de Inglaterra, em direcção à Escócia, podendo assim explicar-se a mesma tendência na incidência da doença no país.
Esta tendência, conhecida como gradiente Norte/Sul, pode igualmente ter outros factores implicados, como por exemplo a quantidade de despojos de ovinos e bovinos utilizados nas diferentes regiões.
 
Restam hoje poucas dúvidas, apesar dos estudos antes enunciados terem sido feitos com base nos despojos de ovinos com Scrapie, que a epizootia da BSE foi amplificada pela reciclagem dos despojos de bovinos infectados, através da farinha de carne e ossos deles provenientes e incorporados nas rações, antes da proibição de tal prática.

 

 

Fonte: Direcção-Geral da Saúde (DGS)

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