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Prevenção da propagação da BSE e minimização da exposição humana por via alimentar

 

OS MATERIAIS DE RISCO ESPECIFICADO - MRE

 

O conhecimento científico actual sugere que o risco de exposição humana ao agente da BSE por via alimentar tem, de longe, origem no consumo directo de produtos de origem animal potencialmente infectado, apesar de o consumo indirecto desse tipo de produtos também não poder ser ignorado. Sugere ainda que o risco é potenciado pela reciclagem do agente da BSE na cadeia alimentar animal, factor determinante na propagação da doença. É, por isso, de importância capital determinar o risco de exposição associado a cada um dos diferentes produtos de origem animal que entram nas cadeias alimentares.

 

O mesmo tipo de informação permitiu ainda definir, para bovinos, a lista dos materiais de maior risco na transmissão da doença através de um animal potencialmente infectado (Cf. Quadro VII), os chamados MRE. Factos como o sucesso relativamente recente da transmissão oral da BSE a ovinos e caprinos; a possibilidade de transmissão horizontal e vertical nestas espécies; a diferenciação dos tecidos destes animais a respeito da respectiva infecciosidade potencial (à semelhança do que acontece com os bovinos) e ainda a particularidade de o risco de exposição e propagação da infecção diferir de país para país apontam no sentido de a lista dos MRE dever não só ser alargada a outras espécies, como ainda entrar em linha de conta com factores como a idade dos animais e a sua origem geográfica.

 

Quadro VII – Infecciosidade relativa dos materiais de risco especificado num bovino infectado com BSE

Tecidos

Peso (Kg)

(num animal de 537 Kg)

Percentagem da carga infecciosa total por animal (%)

Cérebro

0.5

64.0

Espinal medula

0.2

25.6

Gânglios trigeminais

0.02

2.6

Gânglios dorsais

0.03

3.8

Íleo

0.8

3.3

Coluna vertebral

5.0

0.2

Baço

0.8

0.04

Olhos e resto da cabeça

11.6

0.5

 

Na avaliação da importância da espécie para o risco de BSE, que se apresenta em seguida, vão ser considerados, principalmente para as espécies ovina/caprina e suína, os meios possíveis para a transferência do agente infeccioso, os factores críticos dessa transferência e também a probabilidade de que o agente exista realmente na espécie, se mantenha e seja reciclado e/ou propagado por transmissão horizontal e vertical.

 

Relativamente aos ovinos e caprinos, os dados disponíveis demonstram claramente que a BSE pode ser oralmente transmitida a certos genotipos de pequenos ruminantes, sendo, assim, provável que o agente infeccioso possa ter sido introduzido nestas espécies, através de práticas alimentares que tenham incluído farinha de carne e ossos infectada. Embora não se tenha ainda determinado em que medida a farinha contaminada com BSE tem o mesmo efeito que os tecidos altamente infecciosos, utilizados na alimentação dos animais durante as experiências, o que é facto é que a informação (incompleta) de que se dispõe actualmente não permite excluir a hipótese de que a BSE, uma vez introduzida, seja mantida e propagada na população dos ovinos e caprinos por transmissão horizontal (ovelha a ovelha) e vertical (ovelha a cordeiro), que fazem subsistir a doença na população, mesmo depois de modificadas as práticas alimentares.

 

Para além disso, estudos experimentais de infecção mostram que, nos ovinos e caprinos infectados, à semelhança do que acontece com os bovinos, há diferenciação dos tecidos a respeito da sua infecciosidade potencial. Assim, embora a ocorrência natural de BSE em ovinos e caprinos, em condições de terreno, não tenha sido ainda identificada e se reconheça que as práticas alimentares a que são sujeitos são diferentes das dos bovinos, não podem ser excluídos nem o risco da existência de BSE em ovinos e caprinos, nem o risco de exposição ao agente infeccioso através da introdução, na cadeia alimentar, de animais destas espécies em estado clínico ou préclínico da doença. As práticas alimentares em ovinos e caprinos são diferentes das dos bovinos em aspectos como a idade em que os animais são alimentados com farinha de carne e ossos e as quantidades que lhes são fornecidas. Há ainda a ter em conta as diferenças dependentes de o objectivo da produção ser a carne, a lã ou o leite. De qualquer forma, o princípio da precaução determina, por isso, que partes destes animais, nomeadamente as de maior infecciosidade potencial, devam também ser consideradas como MRE.

 

No que respeita a suínos, aves e outras espécies que servem de alimento ao ser humano, não há evidência de ocorrência de BSE após exposição oral ao agente infectante, nem tão pouco de ocorrência natural de qualquer forma de EET, apesar de, em quase toda a parte e até há pouco tempo, estas espécies terem continuado (excepto no RU) a ser alimentadas com farinha de carne e ossos de mamíferos. Por isso, as espécies referidas parece não apresentarem, em si próprias, risco de transmissão da doença. Pode-se argumentar que, sendo muito baixa a idade em que os animais normalmente são abatidos, a ausência de sinais clínicos de infecção não significa que, designadamente os suínos, não possam estar, na altura do abate, num período de incubação muito longo, mas já com infecciosidade transmissível. Contudo, aquelas espécies animais não são isentas de risco, dada a eventualidade de as rações que consomem estarem infectadas com os agentes deScrapie ou de BSE: por um lado, fazem introduzir, nos matadouros, uma carga infecciosa não desprezível, susceptível de provocar a contaminação própria, ou de outras espécies, em linhas de produção não dedicadas, se as condições higiénicas não forem as adequadas para garantir a completa eliminação dos conteúdos dos tractos alimentares; por outro lado, quando os seus estômagos e intestinos são utilizados nas cadeias alimentares humana e animal, podem ser factores de disseminação do agente infeccioso, não pela infecciosidade dos tecidos em si próprios, que parece não existir, mas pela remoção provavelmente incompleta dos resíduos infectados.

 

Considerações deste tipo podem ser reproduzidas, em maior ou menor grau, a propósito de todas as espécies que entram nas cadeias alimentares humana e animal e que incluem, na sua alimentação, farinha de carne e ossos. Em particular, podem estender-se à piscicultura, atendendo à possibilidade de reciclagem do agente infeccioso pela utilização, em várias espécies animais, de farinhas de peixe eventualmente infectadas.

 

Na investigação dos efeitos do factor idade na infecciosidade potencial dos produtos de origem animal, surgiram indicações de que a infecciosidade dos diferentes tecidos de qualquer animal infectado depende do estádio da infecção, ou seja, depende do tempo decorrido desde a primeira exposição efectiva. Por exemplo, em bovinos, as experiências realizadas mostraram que, regra geral, o sistema nervoso central (o tecido de maior infecciosidade relativa) só se tornou efectivamente infeccioso cerca de 32 meses após a infecção, embora se tenham observado períodos de incubação mais curtos. Em ovinos, experiências do mesmo tipo das realizadas nos bovinos determinaram períodos de incubação semelhantes aos anteriormente verificados para o Scrapie.

 

É também de registar que a ocorrência natural da doença é rara em animais com idades inferiores a um ano e que a infecciosidade, induzida experimentalmente, só foi detectada no sistema nervoso central após 24 meses de infecção. No entanto, existindo, como parece ser o caso, uma grande variabilidade individual (eventualmente de origem genética) na susceptibilidade à BSE dos ovinos expostos à infecção, são teoricamente possíveis menores períodos de incubação para a BSE nestes animais. Assumindo transmissão vertical e tomando a infecção como tendo ocorrido no parto ou proximamente, a idade torna-se sinónimo do período pós-infecção e passa a ser um factor determinante da infecciosidade potencial de cada tecido/órgão do animal infectado, condicionando, desta forma, o risco que lhe está associado na transmissão da doença.

 

Atendendo aos casos excepcionais de aparecimento precoce dos sinais clínicos de BSE, o princípio de precaução determina, para a idade, um limite máximo de 12 meses para que o órgão de maior infecciosidade relativa possa ser considerado não infeccioso. Há registo de um caso de manifestação clínica da doença num vitelo de 20 meses e de um número reduzido de casos com idades inferiores a 30 meses. Em ovinos comScrapie natural foi detectada infecciosidade no sistema nervoso central em idades próximas dos 24 meses e foi descrito um caso de doença num cordeiro de 4 meses.

 

De todo o exposto, parece poder afirmar-se que o maior risco de incidência e propagação da BSE e de exposição humana ao agente infeccioso é, em última análise, determinado pela extensão da utilização de suplementos proteicos (farinha de carne e ossos), potencialmente infectados, na alimentação dos animais que entram na cadeia alimentar humana. A extensão desta utilização tem a ver com a estrutura e dinâmica das populações animais (nomeadamente de ruminantes) e práticas alimentares a que são sujeitas, características fortemente dependentes do país/região de origem/residência dessas populações e que, como tal, em conjunto com outros parâmetros igualmente relevantes, acabam por determinar o estatuto de cada país/região relativamente à BSE. Embora não tenha ainda sido possível, por falta de informação adequada, estabelecer o estatuto epidemiológico dos diferentes países no que respeita às EET (designadamente Scrapie e BSE), foram já propostos os critérios para avaliação do risco geográfico dessas doenças e para classificação dos países, em função do grau de conformidade comprovada da respectiva situação real com os critérios estabelecidos.

 

Por enquanto, a lista de MRE aqui reproduzida (Cf. Quadro VIII) e que foi elaborada com base na análise detalhada de todos os factores demonstradamente relevantes na patogénese da BSE, tem aplicação em todos os países/regiões onde, com os dados actualmente disponíveis, tenha sido identificado um risco potencial da doença. No entanto, uma vez que a problemática relativa à BSE se caracteriza por uma constante evolução, a lista de MRE deve ser regularmente reavaliada e, sempre que necessário, modificada, tendo-se em conta a evidência epidemiológica e experimental mais actual no que respeita ao risco de exposição às EET, decorrente do carácter infeccioso de outras espécies, categorias etárias e tecidos ou materiais. Essa actualização deve ainda considerar as condições reais de cada país/região a respeito da BSE, que possam vir a influenciar a definição do risco de transmissão da doença, associado aos tecidos de animais oriundos e/ou alojados nesses países. No limite, num futuro próximo, é previsível que venham a existir várias listas de MRE, aplicáveis aos países, consoante o respectivo estatuto epidemiológico em relação à BSE.

 

Quadro VIII – Lista sugerida para os materiais de risco especificado em países não isentos de BSE ou com risco não negligenciável

Tecidos

Espécie animal

Limite de idadea

Cérebro

Bovina, ovinab e caprinab

> 12 meses

Olhos

Bovina, ovinab e caprinab

> 12 meses

Dura máter

Bovina, ovinab e caprinab

> 12 meses

Pituitária

Bovina, ovinab e caprinab

> 12 meses

Cabeça

Bovina, ovinab e caprinab

> 12 meses

Espinal medula

Bovina, ovina e caprina

> 12 meses

Gânglios dorsais

Bovina, ovina e caprina

> 12 meses

Coluna vertebral

Bovina, ovina e caprina

> 12 meses

Baço

Ovina e caprina

De todas as idades

Intestino

Bovina, ovina e caprina

De todas as idades

Amígdalas

Bovina, ovina e caprina

> 12 meses

Pulmões

Bovina, ovina e caprina

> 12 meses

a – Em países classificados como de alto risco de BSE, pode ser adequado reduzir o limite de idade de 12 para 6 meses.

b – Razões de ordem prática levam a que sejam considerados como materiais de risco especificado as cabeças inteiras de ovinos e caprinos de todas as idades.

 

Neste contexto, é de referir que está actualmente em curso a discussão de uma proposta de Directiva (ou de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho), apresentada pela Comissão Europeia, em que os MRE são definidos em função da categoria do país de origem/residência do animal. A proposta é relativa ao estabelecimento de regras de prevenção e controlo de determinadas encefalopatias espongiformes transmissíveis. As suas disposições baseiam-se em recomendações do Gabinete Internacional de Epizootias sobre a BSE (1998) e em diversos pareceres científicos pedidos pela Comissão Europeia a Comités e Grupos Científicos. Estas categorias são, por sua vez, determinadas com base na patogénese das EET e na avaliação do risco geográfico que está associado a cada país/região, fortemente dependente da estimativa dos riscos de incidência, de propagação e de exposição do ser humano ao agente da BSE. Se a proposta vier a ser aprovada, os MRE passarão a ser designados segundo o normativo sintetizado no Quadro IX, que apresenta o que, a este respeito, está contemplado no articulado da proposta.

 

Admitindo a via alimentar como o principal vector para a exposição ao agente da BSE, torna-se evidente que, agir ao nível dos MRE, optando designadamente pela interdição à sua entrada, por qualquer forma, nas cadeias alimentares humana e animal, contribui decisivamente para reduzir o risco de transmissão da BSE por via alimentar, e o de exposição humana ao agente infeccioso. A partir do Quadro VII pode ver-se, por exemplo, que o cérebro e a espinal-medula de um bovino infectado representam, em conjunto, 89,6 % da carga infecciosa total do animal; os gânglios trigeminais e dorsais, 6,4 %; e o íleo mais 3,3 %. Daqui se conclui que, pela simples exclusão destes tecidos, seria reduzida, em 99,3 %, a carga infecciosa que entra na cadeia alimentar, aquando do abate desse animal.

 

MINIMIZAÇÃO DA PROPAGAÇÃO DA BSE

Até meados de 1997, era aceite a inexistência de infecciosidade residual, na farinha de carne e ossos, mesmo que derivada de material infectado, desde que os despojos, a partir dos quais era produzida, tivessem sido reduzidos a fragmentos com um tamanho máximo de 50 mm e que cada ponto desta massa tivesse sido sujeito à temperatura mínima de 133ºC e à pressão absoluta de 3bar, durante 20 minutos, em processamento por batch ou sistema contínuo, no pressuposto de que os materiais dos despojos têm os teores de água e gordura, normalmente existentes em tecidos animais. As experiências entretanto realizadas levaram à conclusão de que, em condições do pior cenário, não se pode excluir a possibilidade de permanência de resíduos de infecciosidade no produto acabado, visto que a eficácia do tratamento varia significativamente com o estado de dessecação do material e respectivo teor lipídico. O estado físico-químico do material, em aspectos como o tamanho das partículas, estado de hidratação e presença de lípidos, pode ser determinante na transferência de calor. Sabe-se que há diferenças entre algumas estirpes do agente do Scrapie em termos da sua termoestabilidade. Até à data, não há dados conclusivos sobre a eventual diferença de termoestabilidade entre os agentes de Scrapie e BSE.

 

Quadro IX – Materiais de risco especificado (designados em função da categoria do país de origem/residência do animal de que provêm)

Categorias de classificação dos países/regiões

Tecidos/Órgãos

Espécie animal

Limite de idadea

Categoria 1

Nenhum

-

-

Categoria 2ª,b

Cérebro e espinal medula

Bovinos

> 30 meses =

Ovinos e caprinos

> 12 mesesc

Parte distal do íleo

Ovinos e caprinos

Qualquer idade

Baço

Ovinos e caprinos

Qualquer idade

Categoria 3

Toda a cabeçad e espinal medula

Bovinos

> 6 meses

Ovinos e caprinos

> 12 meses

Parte distal do íleo

Bovinos, ovinos e caprinos

Qualquer idade

Baço

Ovinos e caprinos

Qualquer idade

Categoria 4b

Toda a cabeçad

Bovinos

> 6 meses

Ovinos e caprinos

> 12 meses

Timo

Bovinos

> 6 meses

Ovinos e caprinos

> 12 meses

Intestino (desde o duodeno ao recto)

Bovinos

> 6 meses

Ovinos e caprinos

> 12 meses

Coluna vertebrale

Bovinos

> 6 meses

Ovinos e caprinos

> 12 meses

Outros ossos

Bovinos

> 30 meses

Parte distal do íleo

Bovinos, ovinos e caprinos

Qualquer idade

Baço

Ovinos e caprinos

Qualquer idade

a – Nos países/regiões classificados na categoria 2, os materiais indicados só constituem MRE no caso de se ter registado algum caso de BSE.

b – Enquanto se aguarda confirmação do Gabinete Internacional das Epizootias.

c – Ou com um dente incisivo definitivo que já tenha rompido a gengiva.

d – Excluindo língua e incluindo cérebro, dura-máter, glândula pituitária, olhos, gânglios do trigémio e amígdalas.

e – Incluindo os gânglios das raízes dorsais, a espinal medula e a dura-máter.

 

Por isso, e enquanto não se dispuser de testes de diagnóstico ante-mortem para os casos não-clínicos de BSE e Scrapie, nem forem identificados processamentos capazes de garantir adequadamente a segurança dos produtos, a única forma de minimizar a propagação da doença, por via alimentar, é implementar medidas que combinem restrições à origem das matérias-primas (seja no aspecto geográfico ou de espécie animal, na natureza dos materiais utilizados ou na idade dos animais donde estes materiais provêm), com a utilização do processamento com vapor hiperbárico a 133ºC, durante 20 minutos, que continua a ser, dos processos conhecidos para a produção de suplementos proteicos, o mais eficaz na inactivação/remoção do agente das encefalopatias espongiformes. No que respeita à produção dos derivados de gorduras fundidas destinados à produção de alimentos para animais ou fertilizantes, devem ser utilizados métodos validados e certificados.

 

Em conformidade com as considerações acima apresentadas, o Comité Científico Director da Comissão Europeia emitiu um parecer sobre a segurança da farinha de carne e ossos, onde, na perspectiva da prevenção da propagação da BSE por via alimentar, inclui recomendações sobre medidas de redução do risco potencial resultante da exposição a produtos com origem em animais infectados. Essas recomendações, em síntese, dizem o seguinte:

 

Em países classificados de alto risco ou, à falta de informação adequada, considerados como tal, não deve ser produzida farinha de carne e ossos derivada de ruminantes, para ser utilizada na alimentação de mamíferos (não obstante ter sido questionado sobre a segurança da farinha de carne e ossos de mamíferos, o Comité Científico Director só se pronunciou sobre farinha de carne e ossos derivada de ruminantes potencialmente infectados com BSE ou Scrapie).

 

Em todos os outros países (à excepção dos que, à luz de critérios reconhecidos, possam comprovadamente ser considerados livres de BSE), a matéria-prima para a produção de farinha de carne e ossos deve excluir os MRE e ter origem em animais "certificados para consumo humano" (refere-se a animais que passaram nas inspecções ante e pós-mortem e que foram certificados por autoridade veterinária competente, com base em legislação nacional e comunitária).

 

Cumulativamente, o processo de produção deve respeitar as condições 133ºC/20'/3 bar ou ser equivalente na inactivação/remoção do agente da BSE ou Scrapie, e devem ser criadas condições para que, no processamento de despojos globalmente considerado, possa evitar-se uma eventual contaminação cruzada entre as matérias-primas provenientes de espécies diferentes ou para os produtos finais destinados a outras espécies. O conceito de processamento de despojos globalmente considerado abrange, para além do processo tecnológico propriamente dito, a recolha dos materiais, a distribuição pelos locais de processamento e a moagem final dos produtos proteicos.

 

Os pareceres científicos constituem, para a Comissão Europeia, uma etapa prévia de importância primordial para a elaboração de propostas ou medidas legislativas susceptíveis de ter impacte na segurança das cadeias alimentares e na protecção do consumidor. No entanto, sem pôr em causa o papel essencial destes pareceres, a Comissão reconhece que, em certos casos, é razoável ir um pouco mais além dos dados científicos, tendo em conta os riscos identificados que, para além da avaliação científica dos perigos, têm também em conta a sua probabilidade de ocorrência num determinado contexto. Por isso, na perspectiva da adopção de medidas de protecção da sanidade animal em relação ao risco das EET, a Comissão propôs a proibição da utilização de proteínas de mamíferos em todas as rações para ruminantes e a remoção, e subsequente eliminação sob rigoroso controlo, de todos os materiais de risco especificado da cadeia alimentar animal, quer incorporados directamente sob forma de alimentos, quer enquanto fertilizantes agrícolas.

 

Nos Estados Membros, ou nas suas regiões, pertencentes à categoria 4 do estatuto epidemiológico em relação à BSE, estas medidas são complementadas com a proibição (não aplicável a leite ou produtos à base de leite; proteínas hidrolisadas derivadas de restos de carne aderentes às peles; ou plasma seco e outros produtos do sangue) de alimentar qualquer animal de criação (vertebrado ou invertebrado, mantido, engordado ou criado para reprodução ou para a produção de carne, leite, ovos, lã, peles, penas ou qualquer outro produto de origem animal) com proteínas provenientes de mamíferos, ou de alimentar mamíferos (à excepção dos cães) com proteínas provenientes de ruminantes. A eliminação dos materiais classificados como de risco especificado (após a remoção, preferencialmente em matadouro, e marcação com corante indelével) deve ser feita por incineração directa ou, se necessário, serem primeiro transformados e depois incinerados ou utilizados como combustível, desde que, na transformação, o corante seja visualizável. Para ser efectivo, o controlo da remoção e destruição dos materiais de risco exige acompanhamento técnico adequado e a realização de acções de fiscalização frequentes a todos os locais e operações que, pela sua natureza, sejam susceptíveis de promover situações de contaminação ou fraude, nomeadamente matadouros e salas de desmancha, instalações de processamento de resíduos de animais e locais de armazenamento e venda.

 

As medidas preventivas propostas, relativas à redução do risco potencial para os animais, e as que visam especificamente a segurança alimentar dos seres humanos (a apresentar na secção seguinte deste capítulo), implicam a necessidade de garantir a formação adequada das pessoas envolvidas na prevenção e controlo das EET, de veterinários, de exploradores agrícolas e de todos os trabalhadores envolvidos no transporte, comercialização e abate dos animais de criação. Implicam, ainda, a implementação de programas rigorosos de controlo (para assegurar, por exemplo, a não utilização fraudulenta de proteínas de mamíferos nos alimentos compostos destinados a ruminantes) e de vigilância epidemiológica da BSE e do Scrapie, que contemplem a notificação obrigatória, à autoridade competente, de todos os casos suspeitos ou do aparecimento de qualquer outra encefalopatia espongiforme transmissível, e ainda a adopção das medidas já estabelecidas aquando da ocorrência de um caso confirmado. Estas medidas incluem a destruição da carcaça, a instauração de um inquérito que identifique quaisquer outros animais em risco, a restrição de deslocações dos animais e produtos de origem animal que envolvam risco, e a compensação monetária, imediata e integral, aos proprietários, pela perda dos animais e produtos de origem animal, destruídos ao abrigo do disposto no articulado dessas medidas.

 

Em alguns países, nomeadamente em Portugal, os coabitantes de cada caso suspeito são mantidos em sequestro e, em caso de se confirmar a doença no suspeito, é promovido o abate compulsivo dos coabitantes e as suas carcaças e despojos tratados de modo idêntico ao utilizado nos casos confirmados.

 

As normas propostas pela Comissão Europeia, no que diz respeito à prevenção da propagação animal da BSE por via alimentar, podem parecer demasiado cautelosas, se analisadas na perspectiva única desta prevenção. Contudo, considerando que o que está também, e principalmente, em causa é encontrar as formas mais eficazes para assegurar o nível máximo possível de protecção ao ser humano, justifica-se, pelo menos por enquanto, o rigor e extensão destas normas, pelo acréscimo que promovem na segurança dos animais e produtos que servem de alimento ao ser humano e na confiança deste como consumidor. Algumas destas normas já foram adoptadas em vários Estados Membros e países terceiros.

 

MINIMIZAÇÃO DA EXPOSIÇÃO HUMANA À BSE POR VIA ALIMENTAR

O risco de exposição humana ao agente da BSE tem a sua origem no consumo directo de produtos provenientes de animais que se encontram na fase pré-clínica ou clínica da doença. Avaliar a exposição do ser humano ao consumo directo das diferentes espécies animais potencialmente infectadas e seus produtos pode ser tarefa de dificuldade extremamente elevada, uma vez que os dados sobre padrões de consumo alimentar são muito difíceis de obter e/ou, no mínimo, exigem tempo (por vezes proibitivo) para serem reunidos. Por isso, esta avaliação tem sido feita a partir de cenários hipotéticos, que partiram do princípio de que o animal estaria subclinicamente infectado, com a doença quase a declarar-se, portanto, sendo portador de toda a carga infecciosa. Nesta base, avaliaram-se as três situações criadas pelo facto de os MRE terem sido todos excluídos da cadeia alimentar, ou terem sido excluídos apenas os tecidos de maior infecciosidade relativa (sistema nervoso central e gânglios do ráquis dorsal), ou todos os MRE terem sido normalmente introduzidos na cadeia alimentar. A análise detalhada dos factores relevantes do risco da exposição humana nos vários cenários criados levou à conclusão de que este risco só pode ser reduzido – e não eliminado, por ser inviável o conceito de risco nulo – através da adopção de um conjunto de medidas que abrangem, nomeadamente:

  • A interdição absoluta à entrada, na cadeia alimentar, de quaisquer produtos provenientes de animais que apresentem sintomatologia de BSE;

  • O aprovisionamento seguro dos animais para consumo humano, segundo normas rigorosas que assegurem a interdição à introdução no mercado de animais potencialmente infectados;

  • A exclusão, da cadeia alimentar, de todos os tecidos susceptíveis de estarem significativamente infectados – ainda que os animais de onde provêm sejam aparentemente saudáveis bem como a sua remoção e eliminação em condições que evitem contaminação ou quaisquer outros riscos para a saúde pública ou sanidade animal;

  • A redução da idade de abate dos animais destinados ao consumo humano;

  • A aplicação de processos de transformação validados, cuja capacidade para reduzir/eliminar a infecciosidade residual de BSE tenha sido comprovada.

 

Uma das medidas mais eficazes na redução do risco de exposição humana à BSE é o desenvolvimento e validação de testes de grande escala, ante e/ou pós-mortem, destinados a implementar métodos de diagnóstico pré-clínico da doença. Considera-se prioritária a investigação desenvolvida com este objectivo.

 

No que diz respeito à carne de bovino, ovino ou caprino e a alguns produtos dela derivados, as normas comunitárias propostas prevêem a proibição da sua comercialização e consumo, desde que sejam provenientes de animais com origem em países, ou suas regiões, pertencentes à categoria 4 do estatuto epidemiológico em relação à BSE.

 

Não são incluídos nesta proibição as carnes fresca e picada, ou os preparados de carne e os produtos à base de carne que, cumulativamente, satisfaçam as seguintes condições:

  • Os animais de que provêm nasceram após a aplicação efectiva da proibição de alimentar ruminantes com proteínas derivadas de mamíferos;

  • Os efectivos em que os animais nasceram, em que foram criados e se mantiveram até serem abatidos, têm antecedentes certificados de isenção em relação à BSE;

  • O estabelecimento onde têm lugar as operações de abate e corte (demonstradamente realizadas em observância das regras de segurança estatuídas) foi sujeito à implementação de um sistema que assegura a plena separação dos produtos, bem como o rastreio integral da carne e de todos os produtos de origem animal em todos os estádios.

 

A este respeito, continua a ser preocupante a possibilidade de inclusão fraudulenta de materiais da mais alta infecciosidade potencial, em produtos alimentares processados, seja pelo aproveitamento de carne removida por processos mecânicos a partir dos ossos da cabeça e/ou da coluna vertebral (e, por isso, potencialmente contaminada com cérebro e espinal medula), seja pela utilização de materiais de risco especificado em pastas de carne, salsichas ou outros alimentos processados.

 

Em resultado da investigação que tem estado a ser realizada para resolver esta questão, surgiu recentemente um grupo de cientistas que reclama ter desenvolvido um método de detecção da adulteração, por sistema nervoso central, de alguns alimentos de origem animal, designadamente salsichas de fígado. A confirmarem-se os resultados alegadamente obtidos, o método desenvolvido pode vir a constituir um meio sistemático de detecção de práticas ilegais de inclusão de materiais de risco em alimentos para consumo humano e, dessa forma, contribuir para o controlo das encefalopatias espongiformes transmissíveis.

 

As medidas preconizadas com o objectivo de garantir a segurança alimentar e a protecção da saúde pública (e também da sanidade animal) em relação à BSE são, em conjunto com uma política rigorosa de informação, uma das formas de restabelecer a confiança do consumidor nos alimentos de origem animal, já antes abalada pela chamada "crise da BSE" e agora acentuada pela perspectiva, em geral pouco esclarecida, de vir a ser confrontado com uma situação de epidemia de vCJD.

 

Por tudo o que atrás foi exposto e também por esta razão, é imprescindível promover a criação de sistemas de rastreio (em explorações, matadouros, salas de desmancha, instalações de processamento e pontos de armazenagem e venda, ou quaisquer outros locais onde decorrem operações passíveis de fraude) para verificar e, não menos importante, para demonstrar, em toda a linha de produção "desde o estábulo ao prato", a satisfação dos requisitos normativos, em especial os que dizem respeito à origem e natureza das matérias-primas e às normas de transformação, nas unidades industriais, a propósito da utilização dos processos de produção mais eficazes na inactivação/eliminação de eventual infecciosidade residual e da aplicação, garantida e documentada, dos procedimentos de Análise de Perigos e Controlo de Pontos Críticos – HACCP (Hazard Analysis Critical Control Points). Esses sistemas devem contemplar a rotulagem de todos os alimentos de origem animal, tanto quanto possível qualitativa e quantitativa, dando às autoridades competentes a possibilidade de verificar, por métodos apropriados, a conformidade entre a composição efectiva dos alimentos e a que é declarada pelos produtores ao consumidor.

 

 

 

 Fonte: Direcção-Geral da Saúde (DGS)

 

 

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