As EET animais adquiriram significativa importância após o início do surto da BSE.
Existem referências das EET, nas literaturas britânica e germânica, desde l732 e 1759, respectivamente, relativamente ao tremor epizoótico (Scrapie na língua inglesa, tremblante na língua francesa e Prurido lombar na língua espanhola), ocorrendo a primeira publicação científica sobre esta patologia nos ovinos, em 1898.
Em 1947, foi reconhecido pela primeira vez, nos Estados Unidos da América do Norte (EUA), a Encefalopatia Transmissível dos Visões (TME – Transmissible Mink Encephalopathy), em unidades de criação de visões para produção de pele, doença que foi posteriormente identificada em 1963 no Canadá, em 1965 na Finlândia, tendo também sido relatada na Alemanha e na Rússia.
Nos animais em cativeiro, parques ou jardins zoológicos, foi registada, há cerca de três décadas nos EUA (1967), a Doença Crónica Emaciante (CWD – Chronic Wasting Disease), o mesmo acontecendo em ruminantes selvagens da família dos cervídeos, como sejam, o veado (Odocoileus hemionus hemionus, O. Hemionus columbianus, O. virginianus) e o Alce das Montanhas Rochosas (Cervus elaphus nelsoni). Posteriormente, também já foi assinalada CWD em cervídeos criados em liberdade nos EUA.
No decurso da década de oitenta, ocorreu EET em cinco espécies de antílopes da família dos bovídeos, em colecções zoológicas ou em parques de vida selvagem, no sul de Inglaterra, tendo-se já constatado a doença nos grande koudu, nyala, alce e oryx.
No mesmo período, foi também foi reconhecida a EET em felídeos, no lobo-tigre, no puma, no tigre, no gato tigre da américa e no gato doméstico, a Encefalopatia Espongiforme do Gato (FSE – Feline Spongiform Encephalopathy).
Experimentalmente, já se transmitiu, a várias espécies animais, o Scrapie (ao ratinho, hamster, vaca, saimiri e visão), a BSE (à ovelha, cabra, ratinho, gato, porco, sagui, visão), a TME (ao hamster, vaca, furão), o Kuru (ao chimpanzé, macacos americanos, cercopitecos, visão, furão, cabra) e a CJD (ao chimpanzé, macaco americano, gato, cobaio, hamster, ratinho), sendo de assinalar que o coelho, de entre os mamíferos, se tem mantido, até à presente data, refractário à doença.
Foi com a ocorrência da BSE que as EET ganharam significativa importância, assim como os conceitos de Prusiner, no que se refere ao agente responsável pela mesma. Pela importância que a mesma tem, nomeadamente no que se refere a aspectos relacionados com a Saúde Pública, bem como os de natureza económica e social, iremos apresentar, de forma resumida, os conceitos de maior significado relativamente à clínica e patologia destas doenças, dando maior destaque à BSE.
Encefalopatia Espongiforme dos Bovinos (BSE)
No diagnóstico da BSE, para além da intervenção activa do médico veterinário, é de reconhecida importância a participação e colaboração do produtor e dos trabalhadores da exploração, nomeadamente dos que distribuem os alimentos, procedem à higienização das instalações, efectuam a ordenha e aos que procedem ao encaminhamento das vacas para a sala de ordenha. Sem a sua colaboração, não será possível ter acesso aos animais clinicamente suspeitos, bem como a toda a informação clínica anterior à primeira observação efectuada pelo médico veterinário.
As informações facultadas aos clínicos serão tão exaustivas e precisas, quanto maior o tempo de observação prestada aos bovinos e melhor for o poder de observação e sensibilidade das pessoas que convivem e tratam dos animais.
Estas recomendações transpõem-se, da mesma forma, para os médicos veterinários que se dediquem às actividades clínica, de inspecção sanitária, ou ao estudo da patologia e da epidemiologia.
Não deverão ser ignoradas as nefastas consequências económicas, para um produtor de leite ou de carne, na sequência da comunicação, pouco consistente, de uma suspeita clínica, pelo que, tendo em consideração a etiopatogenia deste tipo de patologias, e a fim de que a suspeita seja devidamente fundamentada, o bovino deve ser observado, persistentemente, ao longo de vários dias ou semanas, senão mesmo por alguns meses, salvo nos casos terminais, até que seja possível estabelecer um diagnóstico diferencial ou a sustentação da suspeita de BSE, intervindo o médico veterinário, sempre, em defesa da sanidade dos animais e, como consequência, da Saúde Pública.
Um bovino afectado pela BSE evidencia uma combinação de sinais clínicos do foro neurológico associados a sinais clínicos de carácter geral.
Os sinais do foro neurológico incluem-se em três categorias:
- As alterações do estado mental, de postura e de movimento e do foro sensitivo;
- As alterações do estado mental, observadas em cerca de 98% dos casos de BSE, nas quais a apreensão e o nervosismo são os mais comummente observados, quando confrontados com vãos de portas e outras entradas ou passagens;
- As alterações de postura e de movimento (perturbação na locomoção) ocorrem em 93% dos casos de BSE, sendo manifestações mais comuns a ataxia dos membros posteriores, as mioclonias e as quedas;
- As alterações do foro sensitivo, que afectam cerca de 95% dos bovinos com BSE, manifestam-se de formas bastante diferentes, sendo a hiperstesia ao contacto, ao som ou à luz intensa, as mais exuberantes.
Diagnóstico diferencial da BSE
Os sinais clínicos da maioria dos casos da BSE são característicos e de fácil reconhecimento. No entanto, na fase inicial da doença, existem outras doenças que são passíveis de se confundir com a BSE, como sejam a doença de Aujeszky, a raiva, a listeriose, a imunodeficiência vírica dos bovinos, a cetose, a hipomagnesiémia e as intoxicações por produtos químicos e por plantas tóxicas.
PATOLOGIA DA BSE
Até à presente data, não existe nenhum teste laboratorial, utilizado em rotina, que permita identificar bovinos afectados pela BSE, antes do desenvolvimento dos primeiros sinais clínicos da doença.
O diagnóstico da BSE efectua-se pelo reconhecimento dos sinais clínicos e pela confirmação laboratorial pelo exame histopatológico do SNC, nomeadamente no tronco cerebral, obex, protuberância e mesencéfalo.
O diagnóstico histopatológico da BSE caracteriza-se pela vacuolização, bilateral e simétrica no neurópilo e nos neurónios, associada a perda neuronal e astrocitose.
A maior frequência das lesões vacuolares na BSE ocorre no trajecto do nervo solitário e no trajecto do nervo trigémeo, no bulbo, sendo possível diagnosticar 99,6% de casos de BSE no obex. Se necessário, deverão ser observadas outras áreas do tronco cerebral.
Outros meios auxiliares e complementares de diagnóstico permitirão confirmar ou infirmar uma suspeita clínica de BSE, perante condições adversas para o diagnóstico histopatológico, como sejam a congelação ou a autólise do SNC, bem como quando ocorrem acidentes durante a recolha ou no processamento laboratorial do SNC, ou ainda perante um exame histopatológico inconclusivo.
A detecção do constituinte modificado da PrPc pode efectuar-se, em cortes histológicos do SNC, por imuno-histoquímica, utilizando anticorpos anti-PrPBse/Sc.
Técnicas de immunobloting e western blot, a partir de extractos do SNC, frescos ou congelados, podem ser utilizadas para detectar e quantificar a PrPBse/Sc.
A observação das SAF, pelo microscópio electrónico, é outro dos meios auxiliares de diagnóstico, embora o resultado negativo da pesquisa das SAF não signifique que o bovino não estava afectado por BSE, pelo que este método só é válido quando o mesmo resultar positivo.
A inoculação em estirpes, adequadas, de murganhos transgénicos poderá ser outro meio de confirmação laboratorial, embora seja dispendiosa e de execução prolongada (nunca inferior a 10 – 12 meses).
Assinale-se que se têm ensaiado testes para se efectuar o diagnóstico em vida, como sejam o doseamento, por ELISA, da proteína 14.3.3 no LCR, a detecção da isoforma da Apolipoproteína E (Apo E) e de duas proteínas de 35 e 36 kDa no LCR, por electroforese bidimensional/immunobloting (na fase pré-clínica), testes que ainda são pouco aliciantes, para além da sua execução em estudos experimentais.
No entanto, a detecção da PrP 27-30, quantificada por quimioluminiscência em Relative Light Units, a partir de fragmentos de SNC (medula espinal cervical ou bulbo raquidiano), através duma prova por ELISA, permite identificar animais com BSE, na fase clínica da doença, no prazo de cerca de quatro horas após o início da execução da prova. Os mesmos resultados podem ser obtidos com a utilização de uma prova por western blot.
TREMOR EPIZOÓTICO
O tremor epizoótico afecta o SNC dos ovinos e dos caprinos e foi reconhecida pela primeira vez no RU, tendo veterinários britânicos e germânicos efectuado relatos sobre a ocorrência do tremor epizoótico em ovinos, desde l732 e 1759, respectivamente.
É o protótipo das EET, a partir do qual se têm efectuado muitos estudos e extrapolações científicas para as outras doenças do mesmo tipo, quer humanas, quer animais.
Os sinais clínicos do tremor epizoótico
Caracteriza-se por um prolongado período de incubação (vários meses a anos), com evolução progressiva e debilitante, com um final sempre fatal. Ocorre com maior frequência em explorações de ovinos, entre os dois e os cinco anos, com o pico de incidência da doença entre os três e os três anos e meio, embora seja variável com a raça.
Os animais manifestam alterações do comportamento (isolamento, nervosismo, olhar fixo) com tremores mais evidentes na cabeça e pescoço, prurido e descoordenação motora, que determina dificuldade em se levantarem e o decúbito permanente, terminando com a morte do animal.
A hipersensibilidade é outro dos sinais característicos do tremor epizoótico, bem como o prurido, que os obriga a friccionar intensamente o corpo contra objectos fixos, podendo surgir feridas onde a lã se perde.
Nem todos os animais exibem todos os sinais clínicos da doença, que podem também variar consoante as raças. No decurso da evolução clínica do tremor epizoótico os ovinos têm maior tendência para perder peso, relativamente aos caprinos, por vezes com valor significativo, embora mantenham o seu apetite.
Diagnóstico diferencial do tremor epizoótico
Os sinais clínicos da maioria dos casos do tremor epizoótico são característicos e de fácil reconhecimento. No entanto, na fase inicial da doença, existem outras doenças que são passíveis de se confundir com o tremor epizoótico, como sejam as ectoparasitoses, a doença de Aujeszky, a raiva, a listeriose, o maedi-visna, a cetose, a hipomagnesiémia e as intoxicações por produtos químicos e por plantas tóxicas.
Patologia do tremor epizoótico
Reportam-se os conceitos já descritos na patologia da BSE, procedendo-se a observação histológica das alterações patológicas, predominantemente na espinal medula cervical, bulbo raquidiano, protuberância, cérebro médio e tálamo, onde se pode visualizar a vacuolização neuronal, mais exuberante e frequente que na BSE, assim como a perda neuronal.
Assinale-se que, ao invés do padrão lesional constante e relativamente uniforme da BSE, no tremor epizoótico é evidente que nem todas as raças de ovinos exibem o mesmo padrão, quer quanto à sua severidade, quer quanto à distribuição das lesões histopatológicas, provocando, por vezes, alguma dificuldade ao diagnóstico definitivo, nomeadamente quando a vacuolização ocorre com pouca expressão.
ENCEFALOPATIA ESPONGIFORME DO GATO
Em Abril de 1990, em Bristol (RU), é diagnosticado o primeiro caso de FSE, sendo levada a cabo a primeira descrição clínica completa, bem como anatomopatológica, no mesmo ano.
Os sinais clínicos da encefalopatia espongiforme do gato
Os sinais clínicos do foro nervoso predominam sobre os restantes, em particular a alteração do comportamento, como hiper-reflexos, timidez e agressividade, e a ataxia dos membros posteriores. A idade média de ocorrência dos primeiros sintomas é aos sete anos, não tendo sido reportado nenhum caso antes dos dois anos de idade, com a evolução clínica por um período de cerca de cinco meses.
Diagnóstico diferencial da encefalopatia espongiforme do gato
Recomenda-se o diagnóstico diferencial do síndroma cerebral difuso evolutivo, da infecção pela raiva, doença de Aujeszky, leucemia felina a vírus, imunodeficiência felina a vírus, peritonite felina infecciosa, toxoplasmose e da intoxicação pelo chumbo.
Patologia da encefalopatia espongiforme do gato
Reportam-se, mais uma vez, os conceitos já descritos na patologia da BSE, procedendo-se a observação histológica das alterações no cérebro (lobo frontal), pedúnculos cerebelosos, mesencéfalo, onde se pode visualizar a vacuolização do neurópilo e dos neurónios.
ENCEFALOPATIA ESPONGIFORME DOS CERVÍDEOS – CWD
O número de animais reconhecidos com EET tem aumentado, nos últimos anos, incluindo também os ruminantes selvagens.
Nos EUA tem-se observado casos de CWD em populações de veados (Odocoileus hemionus hemionus), de alces das Montanhas Rochosas (Cervus elaphus nelsoni) – A maioria dos casos tem ocorrido em populações de animais criados em cativeiro, embora também se tenham observado alguns casos em animais em liberdade.
Em ambas as espécies, os sinais clínicos reconhecem-se pela perda de peso, bem como pelas alterações de comportamento e por uma abundante salivação. No cervo, a polidipsia e a poliúria são sinais clínicos também frequentes.
As lesões histopatológicas mais significativas limitam-se ao SNC e são as típicas deste grupo de doenças.
Desconhece-se a origem da CWD. Inversamente aos casos observados nas cinco espécies de antílopes (família dos bovídeos) em parques zoológicos britânicos, os quais estão relacionados com a BSE, a origem da CWD não está relacionada com a contaminação dos alimentos pela PrPBSE/Sc. A transmissão horizontal e, provavelmente, vertical, parecem ser as formas de contágio da CWD, entre os animais em cativeiro.
As encefalopatias espongiformes dos ruminantes selvagens encontram-se geograficamente isoladas e afectam um número de animais relativamente reduzido. No entanto, estas doenças potencialmente transmissíveis podem vir a adquirir maior importância mercê do tráfico internacional de ruminantes selvagens, bem como pela actual expansão da produção de animais de caça em várias regiões do mundo.
ENCEFALOPATIA TRANSMISSÍVEL DO VISÃO – TME
É uma doença rara do visão de criação, provocada por alimentos contaminados com PrPBSE/Sc. Dadas as semelhanças clínicas e patológicas entre a TME e o tremor epizoótico, alguns investigadores sugeriram que uma das fontes de infecção foram os ovinos. No entanto, os ensaios de inoculação em visões, com material proveniente de bovinos com BSE, já reproduziram a TME.
Fonte: Ministério da Saúde - DGS